No dia 13 de setembro do corrente ano realizou-se o XII CONGRESSO DA ABRAME – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS MAGISTRADOS ESPÍRITAS na cidade de João Pessoa, no Estado da Paraíba. No domingo do dia 14.09.2025, no início da manhã, a Diretoria da ABRAME convocou seus membros para uma sessão mediúnica. A primeira manifestação de um espírito anônimo foi afirmativa e peremptória – vocês são fanáticos religiosos! E, a partir dessa declaração, teceu comentários sobre nosso encontro pautado pelo radicalismo religioso. A referida reunião não se tratava de evangelização e muito menos de instrução na linha dos postulados de Allan Kardec. Apenas ouvimos a livre manifestação da opinião do nosso irmão desencarnado. Todos mantiveram silêncio. Entendemos que não era o momento adequado para polêmicas e ou debates nos mais diversos níveis. Estávamos apenas irradiando nossos pensamentos de gratidão à Providência, pelo sucesso do nosso Encontro, considerando a profundidade dos temas e debates que foram objeto de reflexões em conformidade com as linhas da doutrina Espírita.
Mas, a afirmativa permaneceu viva em meu íntimo. E, cheguei à conclusão, diante da análise crítica, de que realmente somos fanáticos religiosos! De fato, somos fanáticos pela verdade, que nos liberta. No mesmo sentido, somos fanáticos pela evidência dos fatos presentes na lógica e na razão prescritos pela doutrina de Allan Kardec. Somos igualmente fanáticos pelos ensinamentos do Cristo, que nos conduz à reflexões conscientes sobre os atos que praticamos durante nossa trajetória na matéria. Somos realmente fanáticos pela consciência dos nossos atos, que nos conduzem à análise crítica do que devemos e podemos fazer. E, por essas sobejas razões, adotamos a resposta inserta na pergunta 837 do Livro dos Espíritos, quando proclama que “A liberdade de consciência é uma das características da verdadeira civilização e do progresso”.
Somos fanáticos religiosos, quando adquirimos a capacidade de discernir entre o lícito e o ilícito, entre o ético e aético, entre o moral e o imoral. Joanna de Angelis (FRANCO, 2024, p.161) nessa linha de intelecção esclarece que, “O discernimento do Bem e do mal, do certo e do errado, e as aquisições ético-morais aparecem, como se fossem o medrar espontâneo da essência divina de que é constituído o Espírito; todavia, o aprimoramento e a profundidade, desses valores dependem do empenho do interesse, das realizações de cada um”. Os doutrinadores da filosofia de Kardec conhecem os limites dos seus atos e, por consequência, as fronteiras que separam o conhecimento das ideologias sem limites onde não predominam a razão e a lógica. Como já dizia Kant, “a racionalidade, com o reconhecimento dos limites que ela implica, é a única garantia de compromisso autêntico, seja ele teórico ou prático” (ABBAGNANO, 2007, p. 498).
A assertiva de fanático religioso revela a absoluta falta de conhecimento dos postulados doutrinários e filosóficos presentes na doutrina Espírita. Nossos estudos se convergem para o autoconhecimento da nossa realidade existencial. E, nesse desafio o homem culto, inteligente e lúcido se conduz de acordo com os ditames da sua ordem interior. Investigando e analisando todos os fenômenos que ocorrem ao seu redor, selecionando e os valorizando na medida da sua importância e necessidade. O que convém a cada um depende exclusivamente da sua escolha de conformidade com as necessidades individuais e dos criteriosos e limitados processos de escolhas pessoais. Leon Tolstoi (TOLSTOI, 2011, p. 10) enfatiza que, “A doutrina do Cristo que penetrou na consciência dos homens não por meio da espada ou da violência, mas pela resistência ao mal, pela resignação, pela humildade e pelo amor, só pode ser difundida no mundo por meio do exemplo da concórdia e da paz entre seus seguidores”.
Somos seguidores da doutrina do Cristo e procuramos aplicá-la em nossa conduta social, o que aprendemos através das suas profundas lições e exemplos, que se encontram pautadas através de medidas de reflexão e a análise crítica. Não há espaço na doutrina de Kardec para o radicalismo, o fanatismo, o preconceito e o dogma, exatamente porque ela revela sua essencialidade através do dever de pensar e agir de forma consciente. E, foi nessa ordem de ideias que a indagação de Allan Kardec aos espíritos instrutores se confirma, quando o doutrinador, na pergunta do Livro dos Espíritos número 621, indagou: onde está escrita a lei de Deus? A resposta foi precisa e acertada – NA CONSCIÊNCIA! E, essa resposta vem ao encontro da afirmativa do Cristo – Vós sois Deuses! (João, 10, 34)! Somos Deuses em construção, encontramo-nos na infinita escala evolutiva de aprimoramento das nossas condutas, com o propósito de ajustá-las aos princípios divinos que regem o universo.
José Saramago, prêmio Nobel da Paz de 1998, em seu livro premiado “Ensaios Sobre a Cegueira”, adverte-nos sobre a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam. A presente época de frouxidão moral em que vive a sociedade contemporânea é o efeito de uma verdadeira cegueira para os fatos importantes e que fazem parte da nossa vida espiritual. O ser humano agoniza em um ambiente social onde predomina a patrimonialidade, a banalidade e a frivolidades da vida, desprovida de razões e sentido que justificam a nossa permanência no orbe terrestre. A agonia do homem presente na busca de uma razão que justifica a existência corpórea e a vida após o evento morte, transmitem-lhe incertezas e inseguranças.
A doutrina espírita prima pela razão e pela evidência dos fatos, presentes nas relações humanas e na natureza, diante das respostas confirmadas pela lógica e pela ciência. Allan Kardec, no preâmbulo do Livro dos Espíritos afirma que, “O homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo aqueles que têm as mais falsas ideias se apoiam na própria razão, rejeitando, em virtude disso, tudo o que lhes parece impossível”. Não entendo o espírita apenas como adepto de uma doutrina espiritualista, mas sim como uma pessoa capaz de discernir no âmbito de uma postura lógica e racional sobre os fenômenos da natureza e na sua relação com o outro. A lógica dessas relações está entrelaçada com a nossa capacidade de perceber o próximo como parte diferente de nós próprios. Karl R. Popper, em seu livro, Em Busca de um Mundo Melhor, destaca: As palavras que GOETHE põe na boca do diabo são inequívocas: Despreza a ciência e a razão, supremas forças do homem… assim te tenho sem rendição.
Por essa razão, não criminalizo o espírito acusador, mas apenas manifesto a minha compaixão e mesmo compreensão para não julgar quem não compreende o sentido do que disse. E, essa postura se amolda à derradeira reflexão do Cristo, quando proclamou com profundo conhecimento e sabedoria – pais, perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem” (LUCAS, 23,24). Recordo-me, ainda, da célebre frase proclamada por Galileo Galilei perante o Tribunal de Inquisição, ao afirmar: “E, no entanto, ela se move”. Sabia ele, que se encontrava perante um Tribunal preconceituoso, dogmático e longe da razão e da ciência e que era a Terra que se movia em torno do Sol e não o contrário. Rogério Coelho, em seu artigo publicado na RIE (RIE, ano C – n. 8 – setembro/2025, p. 380) enfatiza que “Doutrina da razão o Espiritismo exige de seus adeptos muita lucidez mental, discernimento claro e ampla capacidade de correta intepretação como reflexos imediatos no alijamento dos ancestrais e inúteis atavismos”. Assim, para estar com a lógica e com a razão, seja espírita!
Portanto, meus caros leitores, não percamos tempo e emoções senão para compreender e manifestar nosso silêncio diante de acusações que se encontram distantes da verdade, daqueles que não conhecem os postulados da doutrina Espírita bem como dos seus propósitos, que convergem para posturas centradas na lógica, na razão e na consciência. Sigamos adiantes confiantes para, no dizer de Leon Denis, recomeçar a vida interior da Civilização.
REFERÊNCIAS:
ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de Filosofia, São Paulo, Editora Martins Fontes, 2207.
FRANCO, Divaldo Pereira, pelo espírito de Joanna de Angelis, O Ser Consciente, Salvador, Editora Leal, 18ª. Edição, 2024.
KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos, tradução de Evandro Noleto Bezerra, Brasília, Federação Espírita Brasileira, 2006.
POPPER, Karl R., Em Busca de um Mundo Melhor, São Paulo, Editora Martins Fontes, 2006.
SARAMAGO, José, Ensaio Sobre a Cegueira, São Paulo, Editora Companhia de Letras, 1995.
TOLSTÓI, Liev, O Reino de Deus está em vos, Rio de Janeiro, Edições BestBolso, 2011.