Na atualidade, vivemos um período de crise moral que faz parte do processo de transição planetária pelo qual passa o planeta Terra, de tal sorte que era de se esperar que os crimes cometidos na clandestinidade viessem à tona, sobretudo aqueles perpetrados na esfera política e que tanta perplexidade têm gerado ao cidadão de bem.
Sabemos que profundas crises são momentos que precedem a evolução, porque geram conscientização e desejo de mudança. Aliás, é sabido que a crise dos valores morais não está só no Brasil, está no mundo, porque ainda há muitas pessoas que agem desconectadas das diretrizes do Evangelho, da verdade e da ética.
Em relação ao Brasil, estamos vivenciando um período peculiar, porque, quase que diariamente, temos informações pela mídia da falta de ética e da prática de crimes por parte de alguns políticos e indivíduos que estão no alto escalão, gerando prejuízos imensuráveis para a economia e para o erário público.
Convém ressaltar que muitos desses crimes são descobertos por meio da chamada “delação premiada”, pela qual o delator faz um acordo com a Justiça para ter sua pena reduzida ou para obter o perdão judicial (isenção de pena), desde que colabore com as investigações, vindo a assumir os seus erros e apontando o envolvimento de outros comparsas, oferecendo um mínimo de provas que possa amparar sua delação.
À luz da Religião Espírita, seria pertinente abordar a questão das consequências espirituais e morais em relação àqueles que cometem crimes dessa natureza e magnitude, e se há alguma atenuante ou benefício para aqueles que optam pela delação premiada.
É importante registar que todos aqueles que cometem infrações penais e que não são descobertos pela lei humana sofrerão os efeitos da ação equivocada, haja vista que não conseguimos nos eximir das leis divinas e da própria consciência, de forma que, cedo ou tarde, nesta ou em outras vidas, seja pelo bem que façamos (“O amor cobrirá a multidão de pecados” – Pedro 4:8 – 1ª Epístola), seja pelo sofrimento quando recusamos o convite do amor, teremos de reparar todo o mal causado.
Como sugestão de leitura, recomendo o capítulo Experiência Incomum, que está no livro Tormentos da Obsessão1, ditado pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda, por meio da mediunidade de Divaldo Franco, que relata o sofrimento de um político corrupto no mundo espiritual, a demonstrar que ninguém escapa da Justiça divina, a qual não é punitiva, mas visa à educação e ao reerguimento espiritual e moral daquele que está em sofrimento.
Na obra O Céu e o Inferno2, de Allan Kardec, no Capítulo VII, no item “Código Penal da Vida Futura”, os benfeitores espirituais nos elucidam que:
Toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga;
O Espírito sofre, quer no mundo corporal quer no espiritual, a consequência das suas imperfeições;
A duração do castigo depende da melhoria do Espírito culpado;
O arrependimento, conquanto seja o primeiro passo para a regeneração, não basta por si só; são precisas a expiação e a reparação.
O Livro dos Espíritos3, em suas questões 990 e 992, nos ensina que o arrependimento também pode ocorrer enquanto ainda estamos no corpo, cuja consequência é gerar o avanço, o progresso, desde a vida presente, se tiver tempo para reparar suas faltas. Acrescenta, ainda, que “Quando a consciência o exproba e lhe mostra uma imperfeição, o homem pode sempre melhorar-se“.
Nessa perspectiva, presumindo que o criminoso delator está sinceramente arrependido e deseja colaborar com a Justiça, notamos que ele está dando passos seguros na direção de sua reabilitação espiritual, que não encerra apenas com a delação, mas que prosseguirá com a expiação e a integral reparação, seja dos danos causados a todos, seja da questão do reequilíbrio pleno diante da própria consciência.
Ademais, importante registrar que o delator, além de dar o primeiro passo (arrependimento), normalmente já inicia a segunda etapa (expiação), que, no conceito dos benfeitores espirituais, na citada obra (O Céu e o Inferno), decorre dos sofrimentos físicos e morais.
Assim sendo, notamos muitos delatores sofrendo a execração popular, a angústia e a vergonha diante dos familiares, ou seja, os efeitos do cumprimento da pena decorrente da lei humana. Alguns adoecem fisicamente e, possivelmente, já começam a sofrer os dramas morais da consciência atormentada pelo erro perpetrado.
Alguns ainda iniciam a reparação, porque devolvem parte dos danos financeiros causados à nação, muitas vezes previstos nos acordos de delação ou de leniência (das empresas que integram).
É claro que as referidas expiações e reparações apenas se iniciam, o que já é significativo para sua marcha espiritual, e prosseguem até o momento que o Espírito atinja o patamar de débito expirado, conforme consta da obra Ação e Reação4, da lavra mediúnica de Francisco Cândido Xavier.
O criminoso não arrependido, que insiste em negar os delitos ou que permanece na criminalidade, terá um caminho mais longo e doloroso pela frente, colhendo aquilo que está semeando e, cedo ou tarde, ainda que no mundo espiritual ou em outras vidas, irá se arrepender, porque é da lei divina do progresso que ninguém ficará eternamente no mal.
Poder-se-ia perguntar: E se o delator não estiver sinceramente arrependido e apenas fez o acordo para minimizar sua pena?
Ninguém consegue enganar a lei divina, de forma que o delator que dissimulou o arrependimento se submeterá aos mesmos passos do criminoso não arrependido, isto é, prolongará seu sofrimento e terá de se render ao legítimo arrependimento.
Muitos também se questionam acerca do excesso de privilégios para alguns delatores, sendo que, em poucos casos, eles obtêm até o perdão judicial, mas, diante de todos os argumentos expostos, não podemos ignorar que, se não houve algum reflexo penal para o delator, ele não ficará isento de prestar contas às leis divinas e à própria consciência, tendo que, fatalmente, se submeter ao processo de arrependimento, expiação e reparação.
Por derradeiro, não podemos desprezar uma das facetas da caridade, segundo os padrões do Cristo, conforme consta da questão 886 de O Livro dos Espíritos 5: a indulgência para com as imperfeições alheias, até porque também temos limites morais, de forma que, diante dessa volumosa notícia de corrupção e crimes de alto escalão, não esqueçamos de sermos indulgentes, o que não significa conivência, e lembremos de orar por aqueles que estão se comprometendo diante das leis humanas e divinas, auxiliando-os em seu complexo processo de reabilitação espiritual. Esse é o papel do verdadeiro cristão!
Referências
- FRANCO, Divaldo Pereira. Tormentos da obsessão. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. Salvador: LEAL, 2001. cap. Experiência incomum. ↩︎
- KARDEC, Allan. O céu e o inferno ou A justiça divina segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001. pt. 1, cap. VII, itens 9º, 10º, 13º e 16º. ↩︎
- KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1987. pt. 4, cap. II, q. 990 e 992. ↩︎
- XAVIER, Francisco Cândido. Ação e reação. Pelo Espírito André Luiz. Rio de Janeiro: FEB, 2013. cap. 17. ↩︎
- KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1987. pt. 3, cap. XI, q. 886. ↩︎