Homenagem a Zalmino Zimmermann

No dia 23 DE SETEMBRO DE 2000, no plenário do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, presidido pelo Ministro PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE, procedia-se a sessão solene de criação e instalação da ABRAME – Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas, idealizado pelo nosso saudoso amigo e companheiro de lutas ZALMINO ZIMMERMANN. Nesse momento solene, materializa-se, nesse recinto que abriga o TRIBUNAL CIDADÃO, uma instituição integrada em seu quadro por Ministros, Desembargadores e Magistrados do Brasil, destinada a rever a forma de julgar e prescrever em seus julgamentos a ESPIRITUALIZACÃO DA JUSTIÇA.

Nós espíritas sabemos a importância e o significado da justiça humanizada, sem nunca esquecer que a pessoa humana é o centro gravitacional de todo o sistema da ordem institucionalizada. E, para a execução dessa nobre tarefa assumida pela ABRAME, todos sempre estivemos conscientes de que a aplicação dos valores maiores que emolduram a pessoa em sua destinação no planeta terra – centrado na dignidade do ser humano – representa a vocação maior do homem na face do planeta, desde tempos imemoriais e que hoje se encontra gravada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovado pela ONU, em 1948.

Zalmino Zimmermann, nosso patrono e fundador, foi um espírito que veio ao nosso encontro oriundo das esferas espirituais superiores. Doutrinador de escol, foi verdadeiro reprodutor e remodelador das lições de Allan Kardec. Ao vivenciar as lições do mestre Lionês na atividade familiar, profissional e social revelou o conteúdo da sua alma grandiosa e iluminada.

Casou-se em 1º de março de 1958, com Enilda Couto Dias, que passou a chamar-se Enilda Dias Zimmermann, fiel e dedicada companheira com a qual teve três filhas: Anita, Sheila e Lúcia e quatro filhos: Allan, André Luiz, Júlio e Paulo Roberto.

Espírita por vocação, ingressou no espiritismo aos 13 anos de idade. A partir desse momento dedicou-se de forma disciplinada e contínua ao estudo da doutrina de Kardec. Exerceu múltiplas atividades nos centros espíritas, inclusive na Rádio Itaí, em Porto Alegre. Foi Magistrado, tendo ingressado na Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul, em 1963. Posteriormente, aposentou-se no TJRS, voltando a ingressar na carreira de Magistrado como Juiz Federal de Campinas, onde permaneceu até aposentar-se novamente. Como doutrinador espírita publicou as seguintes obras:

É tarefa difícil descrever a vida multiforme de Zalmino Zimmermann, pois preencheu os espaços vazios da vida, especialmente em épocas de perda de valores, quando as pessoas se afastam dos elementos espirituais e se envolvem e se preocupam com as frivolidades da vida. Sempre esteve preocupado com o fio condutor da existência que nos indica a saída dos labirintos da vida.

A maneira mais elegante, sensível e nobre de prestar-lhe homenagem é reproduzir as palavras da sua filha Anita, que diz do fundo da sua alma sensível ao dirigir-se ao pai amado:

“Fiz pequenos acréscimos na biografia que o pai preparou para ser publicado no livro “Missionários da Era do Espírito” (no prelo – será lançado em 2016).

“Como participei da revisão deste Livro, certa vez brinquei com o pai dizendo que era impressionante como se resumia a biografia de uma pessoa com uma vida de ricas experiências, em poucas linhas, às vezes nem uma página” ….

“E agora essa sensação de estar fazendo o mesmo com ele. Pensar no pai, lembrar daquele barulho da máquina de escrever durante as madrugadas, de seu grande esforço e luta para manter uma família com sete filhos (e cachorros – sempre tivemos em casa). Brincar de mágicas, parar para observar uma flor e seus detalhes, uma formiga trabalhando… Formar pessoas (filhos) íntegras, manter a família unida sempre” …

“A imagem que todos nós filhos e netos (10 netos) temos é a de um homem correto, fiel, disciplinado, inteligente e extremamente amoroso e carinhoso com todos. Gostava que nos sentássemos com ele para conversar e saber como estavam nossas vidas. Nós sempre brincávamos que o pai tinha a melhor memória da família. Uma facilidade incrível para guardar datas e eventos passados. Contava histórias como ninguém”.

“Sempre demonstrou senso de humor, mesmo em situações difíceis, inclusive até em seus últimos momentos de encarnado (tive a felicidade de estar com ele em seu momento derradeiro). A passagem do pai para o plano espiritual foi muito linda”.

“Para você ter uma ideia, desde que o pai partiu, nós irmãos, minha mãe e netos, estamos bem. Não houve desespero – tem sido relativamente tranquilo passar por este período pós-pai. Creio que ele conseguiu nos deixar preparados de certa forma”.

“Podemos dizer que se deixarmos boas lembranças nas mentes e corações das pessoas quando partirmos para o mundo espiritual, então a encarnação terá valido a pena. Aconteceu isso com o pai: uma encarnação que valeu a pena!!! Foi uma honra ter compartilhado nossas vidas com ele”.

“Gostaria de acrescentar que o pai foi umas das pessoas mais cultas que tive oportunidade de conhecer até hoje. Interessava-se por tudo. Lia muito, meditava muito. Você pode encontrar uma variedade de temas em forma de livros em sua biblioteca. Tudo era interessante para ele, principalmente assuntos sobre o ser humano e sua evolução”.

“Estudou com profundidade acupuntura e homeopatia, inclusive fazendo cursos no Brasil e no exterior – era seu hobby (tem um acervo de obras raras sobre os temas)”.

“Livros sobre Direito, psicologia, filosofia antiga e moderna, esoterismo, fisiologia humana, saúde mental, parapsicologia, religiões, outros…. muito interessante como ele dava conta de tudo isso! Pessoa incrível o pai! Nós conversávamos muito”.

Bom, também acrescento um livro publicado por ele na área jurídica: “O Estado Federal Brasileiro“, publicado em 1964, (Já estamos enviando 2 exemplares para a ABRAME) – foi publicado pouco antes de virmos morar em Campinas (1968)”.

Todavia, um fato relevante é a íntegra da entrevista de Zalmino Zimmermann para a Folha de São Paulo, ao repórter Vinicius Galvão, no dia 19 de maio de 2008:

Por que levar princípios religiosos e dogmas para o direito?

A Doutrina Espírita é um sistema de conhecimentos, que revela a natureza espiritual do ser humano, sua realidade Inter existencial e o processo de sua evolução, o qual se realiza através das vidas sucessivas, tendo por meta o desenvolvimento e a sensibilização psíquica. Vê-se, logo, que esse conceito não se identifica, propriamente, com o de religião, que, ao contrário do Espiritismo, tem seus dogmas, ritos e hierarquia religiosa. O que o Espiritismo pretende levar aos cultores do Direito é uma nova visão do ser humano e da realidade espiritual em que gravita.

Como a Doutrina Espírita é aplicada nas decisões judiciais?

A Ética Espírita considera que a bondade deve ser exercida por simples necessidade evolutiva e que todos somos irmãos de evolução, em regime de aprimoramento psíquico, através das vidas sucessivas. Não há maiores, nem menores. O maior hoje pode ser o menor amanhã e vice-versa. Somos todos companheiros de aprendizagem, através dos séculos. Naturalmente, o magistrado espírita, ao concretizar o Justo, tem presente esta realidade, servindo à humanização da Justiça, que hoje se põe como uma necessidade social, cada vez mais ostensiva.

O senhor defende a utilização de psicografia nos autos?

Todo instrumento de prova, desde que lícito, é aceitável no processo. A prova mediúnica é, apenas, mais uma das tantas que podem ser trazidas aos autos.

Já existem sentenças baseadas em provas psicografadas ou outras manifestações mediúnicas?

Sim, diversas. A primeira delas surgiu na década de 70, no Estado de Goiás,

Qual a validade jurídica dessas supostas provas?

A prova mediúnica tem a mesma validade que as demais, desde que admitida no processo, depois de comprovada sua idoneidade – o que, por vezes, poderá levar à exigência da perícia grafoscópica da assinatura e outros elementos, o que é perfeitamente normal. Destaque-se, a propósito, que qualquer prova, mediúnica ou não, é apenas uma peça no conjunto probatório, podendo o magistrado, espírita ou não, considerá-la ou não, em seu livre convencimento.

Que legislação ampara a mediunidade como fonte do direito?

Não há menção expressa, no texto legal, à prova mediúnica, como tal. Todavia, segundo a Constituição (Art. 5º, XXXVIII, LV, LVI), o Código de Processo Penal (artigos 155, 157 e 232) e o Código de Processo Civil (Art. 332), todos os meios de prova são admissíveis no processo brasileiro, desde que, lícitos, moralmente legítimos, ainda que não especificados pela Lei.

Qual a manifestação das instâncias superiores a respeito disso?

Em dois casos, em que ocorreram recursos, aos Tribunais de Justiça de Goiás e de Mato Grosso do Sul, respectivamente, a decisão foi favorável à Defesa.

O Estado é laico. Como juízes, que são o Estado, podem deixar suas convicções religiosas permearem decisões?

Entendemos ter ficado bem expresso o significado da Doutrina Espírita. Mas, com relação ao chamado “Estado Laico”, há uma grande confusão conceitual envolvendo essa questão – propositadamente alimentada, ao que parece. O laicismo é uma doutrina filosófica, que defende a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, mas seus valores primordiais são a liberdade de consciência e igualdade entre cidadãos em matéria religiosa. Ou seja, o Estado deve separar-se das igrejas, respeitando, porém, todas as crenças e possibilitando a todos os indivíduos a livre manifestação de sua consciência. Um juiz católico, evangélico ou espírita, formula sua decisão de acordo com sua formação, mas sempre dentro do Direito.

Como ciência, o Direito trabalha com verdade científica, que é a verdade comprovada, e não com a verdade religiosa, que é a verdade revelada…

A Ciência Jurídica, como toda ciência é evolutiva e acompanha o progresso das sociedades, refletindo-as em suas transformações históricas. Assim, o que hoje é verdade absoluta, amanhã pode tornar-se relativa e, depois de amanhã, já nem seja considerada verdade… Ora, o Direito recebe a influência das concepções morais e religiosas predominantes numa comunidade, dispondo sobre as relações sociais de acordo com essa influência. Sirva de exemplo, o que ocorre entre algumas sociedades que, ainda, admitem a poligamia e a pena de morte no caso de adultério. O Direito que rege essas sociedades é muito diferente do Direito vigente em nosso País e outros, sob influência do Cristianismo.

A convicção religiosa não deveria ficar restrita à vida pessoal dos juízes?

Cada Juiz tem sua convicção moral ou religiosa, como, também, opinião pessoal a respeito de qualquer outro assunto. Ora, o juiz é um ser humano, como qualquer outro, cuja subjetividade reflete-se em todos seus atos. A convicção religiosa é pessoal, sim, mas na interpretação rigorosa da aplicação do Direito, o Juiz, dentro da sua condição humana, é inteiro, refletindo todas as suas convicções jurídicas, religiosas, filosóficas, políticas etc. – Em sua afanosa missão de construir a paz social.


Zalmino, nosso saudoso irmão e amigo, você certamente nos faz muita falta, especialmente nesses dias de mensalão e lava-jato, dias de frouxidão moral e espiritual, dias de guerras e destruição ambiental do nosso lar terra, épocas que confirmam a proclamação de Rui Barbosa, quando por meio da Oração aos Moços disse o que todos nós conhecemos: “Haverá dias em que os homens terão vergonha de dizer que são honestos”!

Todavia, a luz da sua estrela que se acendeu no firmamento será o nosso guia, se considerarmos que na medida em que caminharmos na direção dela estaremos nos conduzido ao encontro com ELE.

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Clayton Reis

Vice-presidente da ABRAME, Juiz aposentado, Escritor, Professor Universitário e Advogado.