Publicado originalmente no site Mundo Espírita, em agosto de 2024, neste link.
No ano de 1867, mais especificamente no período de abril a novembro, por decisão do Imperador Napoleão III, ocorreu em Paris uma Exposição Universal de Arte e Indústria, havendo a participação de quarenta e um países. Segundo alguns historiadores, esse evento marcou o auge do Segundo Império da França.
É possível imaginar que milhares de indivíduos se dirigiram à capital francesa, que possuía uma população superior a um milhão e quinhentas mil pessoas naquela época (segundo o site da wikipedia.org, havia em Paris, no ano de 1872, uma população de 1.851.792), portanto, percebe-se que houve uma movimentação imensa de pessoas para a cidade no período da exposição.
Trouxe à baila a realização dessa exposição de porte mundial, tendo em vista que na Revista Espírita de dezembro de 1867, Kardec inseriu uma extraordinária comunicação espiritual, assinada pelo Espírito Moki, intitulada A Exposição, que faz referência a ela, adicionando algumas reflexões de ordem moral que são atuais e oportunas.
Segue a mensagem espiritual quase na íntegra, dada a sua relevância e conteúdo para as nossas meditações (grifei propositadamente alguns itens, que serão objetos de apreciação neste artigo)1:
O observador superficial que neste momento lançasse os olhos sobre o vosso mundo, sem se preocupar muito com algumas pequenas manchas disseminadas em sua superfície, e que parecem destinadas a fazer ressaltar os esplendores do conjunto, sem a menor dúvida diria que jamais a Humanidade apresentou uma fisionomia mais alegre. Por toda parte celebram-se à porfia as bodas de Gamache. Não são senão festas, trens de recreio, cidades engalanadas e rostos alegres. Todas as grandes artérias do globo trazem à vossa capital muito apertada a multidão colorida, vinda de todos os climas. Em vossos bulevares o chinês e o persa saúdam o russo e o alemão; a Ásia em casimira dá a mão à África em turbante; o novo mundo e o antigo, a jovem América e os cidadãos do mundo europeu se esbarram, se acotovelam, se entretêm num tom de inalterável amizade.
Estará o mundo realmente convidado para a festa da paz? A Exposição Francesa de 1867 seria o sinal tão almejado da solidariedade universal? — Seríamos tentados a crer se todas as animosidades fossem extintas; se cada um, pensando na prosperidade industrial e no triunfo da inteligência sobre a matéria, deixasse tranquilamente os engenhos da morte, os instrumentos de violência e de força, dormir no fundo de seus arsenais em estado de relíquias próprias para satisfazer a curiosidade dos visitantes.
Mas estais nisto? Oh! não; o rosto faz careta debaixo do sorriso, o olhar ameaça quando a boca cumprimenta, e apertam-se cordialmente as mãos no momento mesmo em que cada um medita a ruína de seu vizinho. Riem, cantam, dançam; mas escutai bem, e ouvireis o eco repetir esses risos e esses cantos como soluços e gritos de agonia!
A alegria está nos rostos, mas a inquietude está nos corações. Alegram-se para se atordoar e, se pensam no dia seguinte, fecham os olhos para não ver.
O mundo está em crise e o comércio pergunta o que fará quando o grande zunzum da Exposição tiver passado. Cada um medita sobre o futuro, e se sente que neste momento só se vive hipotecando o tempo futuro.
[…]
O que falta às populações inquietas, às inteligências em apuros, é o senso moral atacado, macerado, semidestruído pela incredulidade, pelo positivismo, pelo materialismo. Acreditam no nada, mas o temem; sentem-se no limiar desse nada e tremem!… Os demolidores fizeram sua obra, o terreno está limpo. – Construí, então, com rapidez, para que a geração atual não fique mais sem abrigo!
[…]
À obra, pois. Construí cada vez mais depressa; acolhei o viajor que vem a vós, mas ide também procurar e tentai trazer a vós aquele que se afasta sem bater à vossa porta, pois só Deus sabe a quantos sofrimentos ele estaria exposto, antes de encontrar o menor refúgio capaz de preservá-lo das garras do flagelo.
Impressionei-me com a atualidade dessa mensagem! É bem o retrato moral dos nossos dias!
Ao dirigir o nosso olhar para a Humanidade de hoje, cuja população ultrapassa oito bilhões, identificamos que a maioria exibe uma fisionomia, uma aparência exterior, que está em desacordo com seu mundo íntimo, porque muitos sorriem, aparentam estar alegres, mas, como constou da mensagem em foco, a inquietude, gerada por inúmeras causas, está nos corações.
Ao fazer uma análise superficial e meramente externa dessa maioria, imaginaríamos que o mundo está em paz, que não há problemas e que não há avanços a serem feitos, especialmente de ordem moral. Mas será que essa paz existe realmente? E qual seria sua natureza?
Certamente, seriam a paz e a felicidade ilusórias da matéria transitória, decorrentes das paixões desenfreadas, dos apegos às coisas, do materialismo vivencial, da busca desenfreada pelo destaque, pelo poder, pelo ter em detrimento do ser, e das ambições desmedidas, gerando essa falsa percepção de paz e esse estado equivocado de felicidade.
Para essa conclusão basta observar os números alarmantes de depressão, de ansiedade, de pânico, de vazio existencial, de aflições íntimas, de ideações suicidas, de problemas graves na saúde mental e emocional etc., e desse contingente quantos evitam a busca da real solução dos problemas e optam pelas denominadas fugas psicológicas, procurando anestesiar ou camuflar os dramas íntimos. Alguns, por fora, exibem uma falsa alegria, até por pressão da sociedade e das redes sociais, as quais parecem exigir que o indivíduo sempre esteja bem e feliz.
Por isso, Jesus nos disse que nos daria sua paz, mas não como o mundo a entende2, pois sua paz decorre dos deveres morais corretamente vivenciados, cuja base é o amor que nos conecta ao divino.
Como asseverou o Espírito Moki, de fato, o mundo estava e continua em crise, assim como o senso moral estava e permanece adoecido.
Essa crise é de ordem moral, posto que nos distanciamos das lições psicoterapêuticas de Jesus, que ecoam em nossas almas há dois mil anos, aguardando o despertar da consciência, sem exigir ou constranger. Todavia, infelizmente, muitos despertam apenas através do sofrimento, que se expressa, numa análise de profundidade psicológica, pela inquietude do coração (conforme constou da referida mensagem), a qual tem inúmeras formas de se apresentar.
A nobre benfeitora Espiritual Amélia Rodrigues, referindo-se às características do povo judeu da época de Jesus, que muito bem reflete a nossa atualidade, diz que3:
Sem qualquer apoio ou perspectiva de melhorias, o povo, consumido pelo desespero, estava mergulhado na treva, e não mais vivia, apenas sobrevivendo cada dia, cada hora, sem projeto algum para o futuro.
De um lado, a falsa religiosidade, preocupada mais com a aparência do que com o profundo conteúdo espiritual, caracterizava-se pelo formalismo pusilânime, enquanto as necessidades asfixiantes do povo armavam-no de ódio e de ferocidade.
Os tarefeiros espíritas que atuam na área do atendimento fraterno, que é o meu caso, identificam o aumento de pessoas com esse perfil buscando o acolhimento, o consolo e a instrução que o Espiritismo tem a oferecer, aliado com o Evangelho de Jesus, por ser esse o Cristianismo redivivo.
Anote-se que o Espírito Moki falou da necessidade de um abrigo, de um refúgio, com o escopo de acolher o viajor, que somos todos nós, seres imortais criados por Deus a caminho da plenitude, viajores da eternidade, que, em dado momento da evolução, dominados pelo egoísmo, pelo orgulho e pela ignorância espiritual, fazemos escolhas equivocadas a gerarem as aflições e as inquietudes da alma.
Podemos afirmar que o Espiritismo tem sido esse abrigo, essa proteção, por ser uma escola e um hospital para as almas aflitas e/ou sedentas de entender o verdadeiro propósito da vida e a verdadeira felicidade a ser buscada, tendo Jesus como Modelo e Guia, bem como a moral cristã como a mais eficiente para a nossa saúde integral, espiritual.
Nesse sentido, pode-se dizer que o Espiritismo ao estudar, profunda e seriamente, a existência de um único Deus, justo e amoroso, a imortalidade da alma, a reencarnação, o intercâmbio espiritual, a pluralidade dos mundos habitados, e a caridade (que é o amor em ação) como único caminho para a felicidade, segue, gradativamente, cumprindo com sua missão de iluminar consciências, dissipando a desnutrição espiritual que vige em muitas almas, encarnadas e desencarnadas.
Como consequência desses pilares filosófico-morais básicos, a criatura humana passa a entender de onde veio, para onde retornará após a morte do corpo físico e qual o verdadeiro propósito existencial, sendo convidada a amar a Deus, ao próximo e a si mesma. Aqui, merece destaque esse autoamor que a fará buscar uma maior qualidade para sua saúde moral, pois olhará para dentro si mesma, sem o desejo de autoflagelar-se, de fugir dos conflitos e dos limites que a caracterizam, procurando construir, etapa a etapa, a sua verdadeira paz e a sua real e permanente felicidade.
Com a característica de abrigo, o Espiritismo oferece àqueles que o buscam uma proteção contra as fragilidades da fé, a desesperança, o materialismo, a indiferença aos infortúnios alheios, o pessimismo e as ideias autodestrutivas, mostrando que haverá lutas e dificuldades, porque não se transita das trevas para a luz de um para outro momento, exigindo paciência, esforço e perseverança, mas com a certeza de que se colherá os bons frutos da colheita abençoada na vinha do Cristo.
Daí, as pessoas serão capazes de sorrir de forma autêntica, sem fingir e sem a necessidade de agradar ou de se exibir ao próximo, uma vez que extravasarão a alegria de viver e a paz que lhes vigem no íntimo, sem que os desafios existenciais perturbem esse estado de serenidade e de conexão com Deus, colaborando, dessa forma, para a construção do mundo regenerado do porvir, onde não haverá mais essa crise moral instalada em muitos corações humanos, ou, como disse Moki, o senso moral atacado, macerado, semidestruído pela incredulidade, pelo positivismo, pelo materialismo.
Recordemos novamente de Jesus, quando nos disse que Ele veio para que os indivíduos tivessem vida em abundância4, de felicidade e paz, inclusive para que contagiassem o próximo, que se sentirá convidado a fazer o mesmo.
Referências
- KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos. Ano 1867, v. 12. Brasília: FEB. Dissertações Espíritas. A exposição. ↩︎
- BÍBLIA, N. T. João. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1966. cap. 14, vers. 27. ↩︎
- FRANCO, Divaldo Pereira. O essencial. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 2024. cap. 2. ↩︎
- BÍBLIA, N. T. João. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1966. cap. 10, vers. 10. ↩︎
Publicado originalmente no site Mundo Espírita, em agosto de 2024, neste link.