A Grandeza e o Alcance Espiritual da Obra O Céu e o Inferno

É de conhecimento dos espíritas que o livro O Céu e o Inferno, ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo compõe as cinco obras fundamentais do Espiritismo, e que, neste ano, completa 160 anos de seu lançamento, a merecer do Movimento Espírita uma atenção especial, até para que externemos ao nobre Codificador a mais profunda gratidão por uma obra que aborda temas sensíveis, milenares e de elevada importância espiritual e moral para a criatura humana, no seu processo evolutivo.

A princípio, importante registrar que a obra em questão veio sendo parcialmente elaborada na Revista Espírita, não apenas os textos, mas em especial as ideias, tanto que no mês de março de 1865, logo após o artigo Onde é o Céu?1 (esse artigo compõe o capítulo terceiro, da primeira parte, da obra O Céu e o Inferno), Kardec inclui uma nota dizendo que esse artigo e um precedente (Temor da Morte2 – Revista Espírita de fevereiro de 1865) são extraídos de uma nova obra que ele iria publicar.

Na Revista Espírita, de julho de 1865, no item Notícias Bibliográficas3, Kardec anuncia que a obra O Céu e o Inferno seria lançada em 1º de agosto de 1865. No mês de setembro, na referida revista anuncia que a obra estava à venda, publicando um resumo do prefácio.

Convém anotar que encontraremos na Revista Espírita algumas das comunicações espirituais que compõem a segunda parte da obra O Céu e o Inferno, posto que aquela serviria também como um excelente laboratório para a construção de muitos temas e textos que constam das obras fundamentais.

O Céu e o Inferno tinha como proposta uma abordagem mais detalhada acerca da quarta parte de O Livro dos Espíritos, denominada Esperanças e Consolações, que cuida, em síntese, das penas, das alegrias e dos sofrimentos das vidas presente e futura (após a desencarnação).

Dessa forma, a obra que homenageamos cuida de temáticas essenciais para uma vida moralmente exitosa, cujos conceitos foram distorcidos por algumas religiões e filosofias, impactando os valores morais dos indivíduos, uma vez que, por exemplo, a forma equivocada de se entender a justiça divina, o céu, o inferno, o demônio e sua intervenção no mundo material, o caráter perpétuo das penas, pode influenciar negativamente as escolhas morais, os objetivos existenciais e o estado emocional de muitas pessoas.

Kardec, na Revista Espírita de agosto de 1865, no artigo O que ensina o Espiritismo4, nos itens terceiro e quarto da síntese proposta, diz:

3º – Retifica todas as ideias falsas que se tivessem sobre o futuro da alma, sobre o céu, o inferno, as penas e recompensas; destrói radicalmente, pela irresistível lógica dos fatos, os dogmas das penas eternas e dos demônios; numa palavra, descobre-nos a vida futura, e nô-la mostra racional e conforme a justiça de Deus. É ainda uma coisa que tem muito valor.

4º – Dá a conhecer o que se passa no momento da morte; este fenômeno, até hoje insondável, não mais tem mistérios; as menores particularidades dessa passagem tão temível são hoje conhecidas. Ora, como todos morrem, este conhecimento interessa a todo o mundo.

O Espiritismo, ao restaurar as verdades ensinadas por Jesus, por serem leis divinas, propôs um avanço para o pensamento humano em diversos pontos religiosos, que estavam cristalizados, alguns sob o manto da proteção dogmática, todavia, com seu convite à fé raciocinada e amparado num conceito de Deus soberanamente justo e amoroso, fez com que alguns indivíduos refletissem sobre o que, de fato, seriam o céu e o inferno, os anjos e os demônios, e o equívoco das penas eternas, plenamente inconciliável com o amor absoluto e imensurável de Deus em relação a Seus filhos.

Algumas pessoas que não conhecem o Espiritismo poderiam se perguntar: Com base em que fatos houve essas correções conceituais?

E responderíamos: Nas comunicações dos Espíritos que, após retornarem ao mundo espiritual (nosso verdadeiro lar), revelaram em que regiões estavam e quais condições emocionais vivenciavam (felizes, tristes ou em condição mediana), bem como quais foram as condutas, pensamentos e ideais elegidas durante a vida física que determinaram esses seus estados íntimos.

Assim sendo, notamos a grandeza da obra em foco, eis que Kardec, com sua excelente pedagogia, dividiu-a em duas partes: a primeira que cuidaria dos conceitos e das ideias (a parte teórica), e a segunda que evidenciaria a parte prática, sendo a sustentação doutrinária e filosófica dos novos conceitos trazidos à baila. Essa segunda parte está consubstanciada num número expressivo de comunicações espirituais (sessenta e cinco), divididas pedagogicamente em sete situações gerais em que os Espíritos podem estar vivendo nas muitas moradas da casa do Pai, como elucidou Jesus5.

São as seguintes situações trazidas por Kardec: Espíritos felizes, Espíritos em condições medianas, Espíritos sofredores, suicidas, criminosos arrependidos, Espíritos endurecidos e expiações terrestres.

Essas diversas situações são meramente exemplificativas, até porque, como ensinam os Benfeitores Espirituais, cada desencarnação tem as suas particularidades.

Essas comunicações espirituais serviram de laboratório para que Kardec elaborasse as ideias e os conceitos da primeira parte da obra.

Todavia, o campo de observação do Codificador foi muito além dessas comunicações, uma vez que já havia publicado dezenas de relatos espirituais até agosto de 1865, na Revista Espírita, bem como não se pode desprezar os depoimentos dados pelos Espíritos na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que sequer foram publicados.

Em razão da riqueza dessas informações trazidas pelos Espíritos, que se soma à magnífica forma como Kardec conduziu algumas das comunicações espirituais, elaborando perguntas úteis e sérias, é que foi possível compreender com exatidão, por exemplo, que céu e inferno não são locais geográficos criados por Deus, mas estados íntimos dos Espíritos, quer estejam no corpo físico, quer estejam na condição de desencarnados (morrer é apenas mudar de faixa vibratória).

Esses estados íntimos, psíquicos, estão relacionados com a forma de viver, agir, pensar e sentir em ambas as dimensões da vida (material e espiritual).

Quanto mais se aproximam das Leis de Deus que, em suma, são de amor, justiça e caridade, mais sentem-se felizes, vivendo um céu interior. Em contrapartida, ao distanciarem-se desses nobres ideais infelicitam-se, edificando um inferno psíquico, que é de caráter provisório, pois todos somos filhos de Deus e herdamos o germe da perfectibilidade, portanto, a nossa destinação é a plenitude, o céu interior, porque teremos infinitas possibilidades de conquistá-lo.

Com efeito, não há privilégio para ninguém, vigorando o princípio da meritocracia moral, por isso, o Espiritismo, como elucida Kardec nessa obra, ensina-nos que não há anjos, isto é, seres criados perfeitos por Deus, mas há Espíritos elevados, superiores, que atingiram esse nível evolutivo por méritos pessoais (conquistas intelecto–morais realizadas através da lei divina da reencarnação), os quais colaboram diretamente com a obra divina servindo na seara do bem e do amor.

Na eternidade do tempo, um dia seremos esses Espíritos angelicais!

Da mesma forma, não há demônios, isto é, Espíritos criados maus, ou que se tornaram maus e ficarão eternamente nessa situação. À luz do Espiritismo, há Espíritos momentaneamente maus, equivocados, mas que pouco a pouco vão despertando para o bem, até que se tornem Espíritos nobres.

A lógica do pensamento espírita é imensa, tanto que há muitos simpatizantes do Espiritismo que, embora mantenham suas crenças em outras religiões, discordam das ideias teológicas do céu e do inferno, dos anjos e demônios, porque não se afinam com o amor inesgotável de Deus.

Muitos ainda questionam a ideia de ir para o céu e ficar ao lado de Deus na ociosidade eterna.

Por derradeiro, merece aplausos a estrutura da obra, conforme já consignado neste artigo, pois Kardec adotou o mesmo método usado por Jesus na parábola do rico e de Lázaro6, a qual trouxe fatos da vida real (um rico opulento e egoísta, e um pobre com chagas resignado), cujas atitudes e valores repercutiram no despertar e na condição em que estavam na vida espiritual (o rico em sofrimento e tormento, e o pobre em paz ao lado de Abraão).

Que notável pedagogia de Jesus e Kardec para facilitar o nosso aprendizado, com o escopo de que haja um viver mais moralizado e, por consequência, produza a construção do céu interior enquanto estamos reencarnados.

Gratidão à Kardec pela extraordinária obra O Céu e o Inferno!

Referências

  1. KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos. Ano 1865, v. 3. Rio de Janeiro: FEB, 2004. Onde é o Céu? ↩︎
  2. Op. cit. Ano 1865, v. 2. Temor da Morte. ↩︎
  3. Op. cit. Ano 1865. v. 7. Notas Bibliográficas. ↩︎
  4. Op. cit. Ano 1868. v. 8. O que ensina o Espiritismo. 3º e 4º. ↩︎
  5. BÍBLIA, N. T. João. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1966. cap. 14, vers. 2. ↩︎
  6. Op. cit. Lucas. cap. 16, vers. 19 a 31. ↩︎

Nota

Este artigo foi originalmente publicado no site Mundo Espírita. Para acessar o conteúdo original, clique aqui.

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Alessandro Viana Vieira de Paula

Diretor Doutrinário na ABRAME, escritor, palestrante e articulista.