A Diferença do Ter e do Ser

A leitura do texto “identidade cristã”, Carta ao Leitor, inserto na RIE, ano XCIV, número 8 de setembro de 2024, inspirou-me a redigir estas considerações. A frase contida na redação, “por isso o alerta feito aos falsos profetas, que diz ser, mas não consegue se fazer ser”, merece profunda reflexão. Há muitos que se apresentam SER, mesmo não sendo! Erich Fromm (FROMM, 1987, p. 115) em seu livro “TER OU SER”, enfatiza, “se o que sou é o que tenho e se o que tenho se perde, quem então sou eu? Ninguém, senão um derrotado, esvaziado, patético testemunho de um modo errado de vida”.

Vivemos épocas difíceis. São momentos que exigem vigilância, para compartilhar com os outros a nossa maneira de ser. A cultura do consumo embriaga o ser humano, que procura nessa maneira de ser uma forma de viver. Por essa razão, Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de literatura de 2010, em seu livro “A Civilização do Espetáculo – uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura” (LLOSA, 2013, p. 14) ensina que “cultura não é apenas a soma de diversas atividades, mas um estilo de vida”. Assim, a vida moderna passou a ser um estilo de ser de pessoas envolvidas em banalidades e frivolidades, nas mais diversas modalidades que o cotidiano nos propicia, por meio das redes sociais e de outras atividades fugazes.

Somos prisioneiros da força gravitacional dos benefícios que a modernidade oferece ao ser humano, astros efêmeros que gravitam em torno das belezas e das frugalidades do mundo tecnológico. Assim, “o espetáculo”, diz Debord, (LLOSA, 2013, p. 21) “é a ditadura efetiva da ilusão na sociedade moderna”. O ideal voltado para o consumo afasta o homem e a mulher dos objetivos supremos e nobres da vida espiritual. Nesses momentos deixam de ser para se tornarem os que não conseguem se fazer ser.

Nessa linha de intelecção, Joanna de Angelis em seu livro “O Despertar do Espírito” (FRANCO/ANGELIS, 2000, p. 14) afirma, “O homem e a mulher destes dias estão carentes de amor, de respeito e de dignificação”. Torna-se necessário que o ser humano desperte para sua realidade espiritual. O homem nasceu para viver intensamente sua vida material, cultural e espiritual, cumprindo-lhe selecionar quais valores serão mais importantes ao término da sua trajetória terrena. O ser psicológico, na expressão de Joanna de Angelis, precisa de espaço mental para encontrar-se, de reflexão serena e de avaliação de conduta, para se encontrar. E, a partir desse momento, desenvolver sua imensa capacidade latente para se libertar dos dogmas da materialidade que nos mantêm reféns dos benefícios do poder econômico e do poder, que são transitórios e nos iludem diante dos benefícios fugidios da existência.

Daí porque as sábias palavras expressas na carta da RIE de que a vida é oportunidade e o mundo o palco perfeito. Novamente, os saudáveis e acertados prognósticos de Joanna de Angelis definem de forma transparente a inteligência emocional de cada um, ao precisar em seu livro “Jesus e o Evangelho à Luz da Psicologia Profunda”, (FRANCO/ANGELIS, 2014, p.225) que, “a verdadeira saúde é um estado íntimo de equilíbrio, de harmonia entre os desafiantes conflitos que a todos assaltam a cada instante, considerando-se a vulnerabilidade emocional e vivencial de que se encontram constituído”.

À cada um será dado segundo seus merecimentos. É chegada a hora de os seres humanos despertarem para a realidade da vida, é o momento para a reforma intima, a fim de ajustar os caminhos que foram traçados pelo Cristo, porque eles são os que representam a verdade e a vida. A falta de consciência dessa realidade nos conduz a caminhos incertos, imprecisos e sem finalidade que se apresentam diante da nossa realidade existencial. Rudolf Eucken (EUCKEN, 1962, p. 47), prêmio Nobel de Literatura em 1908, em seu livro “O Sentido e o Valor da Vida”, advertia que, “Épocas inteiramente de trabalho e de gozo podem ser totalmente vazias do ângulo espiritual – eis o que mostra de maneira bastante clara o tempo em que vivemos”.

Por essas razões, o momento presente exige uma resposta certa à indagação que Cristo fez para Pedro, quando este se afastava de Roma – quo vadis, Domine? Essa resposta se encontra em nosso íntimo e deveria ser respondida da seguinte forma: estamos na direção do caminho que nos ensinou, por ser ele o caminho da vida e da verdade.

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Clayton Reis

Vice-presidente da ABRAME, Juiz aposentado, Escritor, Professor Universitário e Advogado.