Foi publicado recentemente (junho de 2025) o resultado dos dados do Censo Demográfico de 2022, apurado no período de 2010 a 2022, merecendo destaque, no campo religioso, o índice estatístico daqueles que se autodeclararam espíritas: 1,8%, havendo uma redução de 0,3% em relação ao censo anterior.
Esse resultado tem causado um impacto profundo nas lideranças do Movimento Espírita e comportaria diversas digressões que não caberiam neste artigo, todavia, gostaria de destacar e analisar a ideia daqueles que pensam que o Espiritismo está defasado, desatualizado, necessitando de alterações e atualizações para atrair o público à Casa Espírita.
Inicialmente, convém destacar que o Espiritismo, diversamente de outras religiões, não faz proselitismo e não tem como premissa a preocupação de converter o indivíduo em espírita, de modo que, a meu ver, mostra-se descabida a excessiva preocupação de encher a Casa Espírita.
Aliás, quando se elege esse objetivo equivocado, é possível que decisões e escolhas que partem da diretoria, dos dirigentes, das Federativas estejam, da mesma forma, distorcidas, não representando aquilo que os benfeitores espirituais almejam para o Movimento Espírita.
Temos visto nas redes sociais algumas pessoas que, aparentemente, são dirigentes de Casas Espíritas e, diante do resultado do citado censo, apresentam argumentações e ideias que, embora respeitáveis, não se coadunam com o verdadeiro objetivo do Espiritismo. Igualmente, tem havido palestras e propostas que apresentam como essencial o que, na verdade, é secundário, conquanto tenha sua importância para a evolução da criatura humana.
Citamos alguns pontos que reputo fundamentais para a atualidade, os quais, de forma errônea, almejam, em algum grau, o aumento quantitativo do público da Casa Espírita:
- Ênfase à cura do corpo físico: temos observado que algumas palestras e livros têm focado excessivamente nesse ponto, assim como vemos Casas Espíritas preocupadas em ter a tarefa de cura física nas suas atividades, quando, na realidade, o foco do Espiritismo é trabalhar a cura moral, pois as doenças físicas têm suas raízes nas enfermidades morais do Espírito, que o estudo sério e profundo da Doutrina Espírita pode ajudar ao propor a melhoria moral do indivíduo, nos apresentando Jesus como Modelo e Guia.
A benfeitora espiritual Amélia Rodrigues, na obra Primícias do Reino,1 ao citar a cura do paralítico de Cafarnaum, menciona que Jesus veio para curar a alma e não corpos físicos.
É claro que algumas Casas Espíritas mantêm há muito tempo e com disciplina doutrinária a tarefa de cura, tendo também em suas atividades os estudos do Espiritismo, ensinando que a verdadeira transformação do indivíduo se dá no campo moral.
Merece ser dito também que o Espiritismo propõe o amor e o respeito ao corpo físico, sem narcisismo, estimulando o devido cuidado nos espaços médicos adequados.
- Priorização da autoajuda: com imensa preocupação, temos observado que as temáticas de autoajuda têm predominado em muitos eventos e Casas Espíritas, tornando o conteúdo doutrinário do Espiritismo secundário.
Não se trata de menosprezar a importância dessa temática, uma vez que as questões emocionais são significativas para a felicidade e o progresso da criatura humana, mas de alertar para o verdadeiro objetivo do Espiritismo: iluminar consciências, ao se aprofundar nos estudos das leis divinas e morais que regem a nossa vida. Há que se ter em mente essa premissa maior, a fim de que, ao ser abordado um tema de autoajuda, seja feito com conexão aos postulados doutrinários espíritas, que merecem ser destacados e aprofundados, sem receio de desagradar uma parte do público que tem buscado o Espiritismo e que, raramente, aprecia o estudo e a leitura profundos que ele propõe.
- Risco de diluição dos conteúdos espíritas: no desejo de agradar àqueles que não gostam de estudar com afinco e regularidade o Espiritismo, propõe-se que deve haver um estudo com menos aprofundamento doutrinário, com menos leitura das obras de Allan Kardec, sugerindo, portanto, nas entrelinhas, que se apresente um Espiritismo mais diluído, mais raso, o que afronta com sua proposta divina de libertação da ignorância espiritual.
Temos visto alguns dirigentes nas redes sociais fazendo, de certa forma, pouco caso da seriedade doutrinária do Espiritismo, querendo adotar um conteúdo mais simplificado e uma linguagem mais empobrecida, com o escopo de atrair e agradar ao público.
Isso é um risco imenso!
É justamente o que os obsessores que trabalham contra o Espiritismo almejam!
Fazer com que seu conteúdo profundo, de austeridade moral, de construção de novos hábitos e libertador da ignorância espiritual (que tem produzido tanto sofrimento à criatura humana), seja esquecido ou adulterado com o passar do tempo.
Ao se adotar essa pedagogia equivocada, é natural que, com o decorrer dos anos, tenhamos um Espiritismo cada vez mais diluído, distante do seu propósito, adaptado às paixões e fraquezas humanas, como ocorreu com outras religiões e filosofias no passado.
Temos notado, há algum tempo, a ação de alguns dirigentes, até de forma inconsciente, de substituir o estudo das obras de Kardec por apostilas ou livros de conteúdos metódicos que contêm, às vezes, parte menor ou citações modestas de trechos das obras fundamentais da Codificação Espírita, o que não deixa de ser um grande equívoco.
Os estudos das obras de Kardec, inclusive a Revista Espírita, devem ser prioridade na Casa Espírita, jamais sendo substituídas por apostilas ou pelos livros referidos. Pode-se trazê-los em complemento aos estudos, porque, sem dúvida, há excelentes livros nesse sentido, que compilam textos de Kardec e de outros autores fiéis à Doutrina Espírita, assim como trazem complementos doutrinários de relevante valor.
Naturalmente, deve-se reavaliar e corrigir, se necessário, a linguagem usada a determinados tipos de público.
Por exemplo, na evangelização infantil, na juventude, nas preleções públicas, nas quais há pessoas comparecendo pela primeira vez na Instituição Espírita, devemos nos servir de uma linguagem pedagogicamente compatível, sem diluir ou deletar os conteúdos essenciais do Espiritismo, procurando agradar ao público com uma proposta mais mundana e menos espiritualizada, portanto, distante dos padrões do Cristo.
Imaginemos se Jesus tivesse diminuído o conteúdo de Suas propostas morais a pretexto de agradar ao público, quanto teríamos perdido?! Ele manteve fidelidade à verdade que vinha trazer para a Humanidade, adotando as pedagogias cabíveis, utilizando-se, por exemplo, das parábolas.
Jesus foi enfático ao propor o amor aos inimigos e que nos amássemos uns aos outros como Ele nos amou. Sabia da dificuldade que teríamos de viver esse amor. Mesmo assim, fez essa assertiva, não se preocupando em diluir a lição para agradar as pessoas.
- Desejo de atualização do pensamento espírita: vimos nas redes sociais um vídeo no qual um espírita, possivelmente dirigente, diz que necessitamos atualizar o Espiritismo, pois há informações defasadas, equivocadas, que, por consequência, afastariam algumas pessoas de buscá-lo.
Infelizmente, temos dirigentes e tarefeiros que não estudam como deveriam a Doutrina Espírita e eles mesmos a distorcem, prestando um desserviço à causa.
Nesse vídeo, são mencionadas as questões dos cometas e da geração espontânea, constantes, respectivamente, das perguntas 40 e 46 de O Livro dos Espíritos
Certa feita, ouvimos de um amigo e palestrante espírita um alerta valioso: Se lermos alguma informação revelada pelos benfeitores espirituais na Codificação Espírita e achamos que está errada, provavelmente é porque não estamos conseguindo captar a verdade que eles estão ensinando.
Quanto aos cometas, é óbvio que os Espíritos nobres não estão dizendo que eles crescerão e se transformarão num planeta, mas é sabido que eles irão se desintegrar por perda de massa ou colisões, de modo que suas matérias dispersas pelo espaço poderão compor a matéria de um futuro planeta.
Em relação à geração espontânea, nota-se que os Espíritos, ao falarem do germe primitivo em estado latente, estão referindo-se à vida biológica inicial que surgirá num planeta em formação, como aconteceu com a Terra (veja-se a questão do protoplasma, citada pelo Espírito Emmanuel).2
Destacamos que o título deste artigo está inspirado na obra de mesmo nome,3 do médium Divaldo Franco, ditada pelo Espírito Vianna de Carvalho, infelizmente pouco estudada pelos espíritas e, em especial, pelos dirigentes.
Essa obra trata de temáticas relevantes e profundas da atualidade. As perguntas foram elaboradas por estudiosos de diversas áreas, tais como economia, política, medicina, direito, pedagogia, psicologia, embriologia, física nuclear, informática etc., e as respostas dadas pelo Espírito Vianna de Carvalho revelam a atualidade e a grandeza do Espiritismo, capaz de colaborar com todas as áreas do pensamento humano, tendo como característica o caráter progressista, isto é, se um dia a ciência demonstrar algum equívoco em suas premissas doutrinárias, retifica-se esse ponto.
Finalizo este artigo com uma frase de Vianna de Carvalho, que reforça a atualidade do Espiritismo e a necessidade de preservarmos seu conteúdo rico de reflexões doutrinárias e morais, sem adaptações humanas, a fim de conduzir a criatura humana ao seu fanal de plenitude espiritual e integração com Deus:
Sempre atual, o Espiritismo avança com as admiráveis conquistas do pensamento, que faculta melhor entender-lhe as leis e aplicá-las, tornando a existência terrena mais agradável, propiciatória de harmonia e de objetivos sempre mais nobres, à medida que são conquistados, gerando estímulos para mais avançados esforços.
Jamais ultrapassado, estará sempre à frente do progresso, embora de maneira sutil, que será melhor identificado quanto maior for o seu labor de penetração no complexo mecanismo do ser e da vida.4
Referências
- FRANCO, Divaldo Pereira. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria. 1967. cap. 7. ↩︎
- XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro: FEB, 2001. cap. 2. ↩︎
- FRANCO, Divaldo Pereira. Atualidade do pensamento espírita. Pelo Espírito Vianna de Carvalho. Salvador: LEAL, 1999. ↩︎
- Op. cit. Prefácio ↩︎
Publicado originalmente no Jornal Opção, neste link.