A afirmação de Jesus de que vós sois Deuses, leva-nos a uma profunda investigação. Se considerarmos que, de acordo com a resposta contida na pergunta número 1 do Livro dos Espíritos, Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas! Restaria a conclusão de que possuímos essas qualidades inerentes ao Criador latentes em nosso espírito. Todavia, essa dedução merece maior reflexão. A filosofia Socrática (470 a.C. – 399 a.C.) ensinava que o conhecimento do homem deveria conduzi-lo a investigar sua própria realidade, daí a célebre frase atribuída ao filósofo – conhece-te a ti mesmo. O conteúdo da ideia de Sócrates, séculos após, foi reproduzido através dos ensinamentos do Mestre ao afirmar – “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32). Essas questões devem ser interpretadas à luz da razão e, ao mesmo tempo devem igualmente, conduzir-nos à outra análise que se encontra na pergunta 621 do Livro dos Espiritos, quando Allan Kardec indagou: Onde está escrita a lei de Deus? A resposta foi direcionada no sentido do conhecimento da nossa realidade psicológica. O espírito da verdade afirmou de forma peremptória – na consciência!
É naturalmente verdadeiro que a análise de todas essas questões, indica que possuimos em nossa intimidade psicológica um tesouro extraordinário de valores, que não conseguimos ainda descortinar. Somente através do processo do auto-conhecimento o ser humano principia extrair das profundezas do seu subconsciente, um diamante incrustado na rocha bruta para, em seguida, a lapidar com o propósito de transformar a pedra extraída em jóia cristalina e fulgurante. O ser humano é uma entidade em construção, necessitando auto-descobrir para se projetar no espaço infinito e ocupar o lugar que lhe foi destinado pelo Criador.
Segundo ensina Joanna de Angelis 1 , “A consciência de si desvela o mundo interno ignorado, favorecendo com reflexões agradáveis na busca do autoconhecimento”. A imersão que se realiza na direçao do nosso eu converte-se em profundo ato de compreensão da realidade espiritual individual, com o propósito de adquirir consciência do que somos e, iniciar o processo de construção daquilo que pretendemos ser. Afinal, somente quando adquirirmos conhecimento do que nos falta, seremos capaz de buscar valores para preencher o vazio existente presente na nossa intimidade – um verdadeiro processo de remodelação do espírito.
O homem primário desconhece toda essa realidade, porque não aprendeu ainda o significado da própria existência – vive à margem dos fenômenos que ocorrem à sua volta em razão da materialidade que ofusca a sua visão. Exapery afirmou que, “o essencial é invísivel aos olhos”. Essa cegueira cultural, intelectual e espiritual explica os grandes desacertos que ocorrem no mundo das relações. José Saramago, em seu livro prêmio Nobel de literatura de 1998, “Ensaio sobre a Cegueira”, na “orelha” do seu livro assinala: “Às vésperas do fim do milênio, num período onde imperam, de um lado, a velocidade, a ganância e a abstinência moral e, de outro, a profecia e um misticismo compensatório, o escritor vem nos lembrar a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”. Isto porque, na maioria das vezes não vemos o próximo, para com ele compartilhar nossas ansiedades e projetos. Por sua vez, para compreender o próximo, se não conhecemos nossa própria capacidade de entender o mecanismo da relação e da tolerância? “Os homens-maus ‘esquivam-se à própria vida, destruindo a si mesmos’, incapazes de suportar a própria companhia”, no dizer de Hannah Arendt 2 . E, a autora continua, “O homem-vil de Aristóteles, não consegue submeter seus desejos às ordens da razão e, por esse motivo, não pode exercer contrôle sobre seus próprios atos no universo relacional. Somente quando o homem se liberta das âncoras da matéria e inicia o percurso na direção da sua intimidade, consegue compreender o sentido da vida humana”.
Nesse processo de reflexão a pessoa inicia a escalada nas grandes cordilheiras do espírito, superando os dificeis e intricados caminhos que nos conduzem à sua realidade existencial – começa a se tornar Deus! Teinhard de Chardin 3 esclarece que “reflexão é o estado de uma consciência que se tornou capaz de se ver e de prever a si mesma. Pensar é não apenas saber, mas saber o que se sabe”. Esse verdadeiro estado principiológico de consciência, habilita o ser humano ao dominio de si mesmo, o que significa iniciar a conquista do seu poder de autocontrôle. Liev Tolstói 4 em seu livro “O Reino de Deus está em vós”, afirmou, “A doutrina de Cristo tem grande poder exatamente porque requer a perfeição absoluta, isto é, a identificação do sopro divino que se encontra na alma de cada homem com a vontade de Deus, identificação do filho com o Pai”.
Allan Kardec vislumbrou através da doutrina espírita, uma ciência na busca da verdade, do autoconhecimento, da introspeção analítica, da reflexão cognitiva sobre a nossa propria realidade e do próximo. Não é uma filosofia meramente comportamental, senão instrumento de habilitação na direção da entendimento do complexo mecanismo que comanda nossa conduta no mundo da convivência. “Através do olho mental penetrante consegue-se a introspecção saudável, direcionada para as ocorrências psicológicas, desse modo adquirindo-se um conhecimento consciente”, assinala Joanna de Angelis 5.
Essa viagem ao desconhecido, na direção do nosso subconsciente, é o desafio que a filosofia espírita nos convoca para comprender o significado real da encarnação e da evolução. Evoluimos por etapas, porque em cada retorno à matéria o homem adquire novos conhecimentos, que se somam aos anteriores para, a partir de um determinado momento, compreender o significado e a razão da existência. Certamente que o momento culminante para o espírito se revela quando inicia o autoconhecimento. Compreender é uma conquista que envolve saber, que se desenvolve na busca da consciência da realidade que nos envolve. Nessa linha de idéias, Erich Fromm 6 assinala que, “é a voz do verdadeiro eu que nos convoca para nós mesmos, para viver produtivamente, para desenvolver-nos ampla e hamoniosamente – isto é para tornarmo-nos aquilo que somos potencialmente“ (destaque do autor).
A frase sugestiva de Fromm remete-nos à filosofia do Cristo quando afirmou “vós sois Deuses”! O homem, que se encontra em processo de autoconhecimento, somente será verdadeiramente livre quando se autodescobrir e trouxer à superfície do recôndido do seu espírito, os incomensuráveis valores que se encontram incrustados em nosso subconsciente. Huberto Rohden 7 ensina, “Ora, sendo o homem essencialmente divino – embora a consciência da sua divindade se ache, por ora, em estado potencial de latência – pode a voz de Deus acordar nele o eco ou a reminiscência da sua origem dívida”. Um verdadeiro Deotropismo que nos impulsiona na direção do Criador, a exemplo das plantas que, através do heliotropismo, se dirigem para o sol.
Dessa forma, o ensinamento do Cristo nos conduz à dois desafios – conhecer a si mesmo e se libertar das algemas que nos prende ao dogma, ao preconceito e, à ignorância. Para, a partir do conhecimento dessa realidade, alçar vôo na direção do autoconhecimento. E, ao iniciarmos esta viagem assumiremos o controle do nosso espírito, instrumentando-nos para descer nas profundidades do nosso EU, e nos conduzir às alturas das imensas cordilheiras do conhecimento, da compreensão e do significado da linguagem divina – seremos donos do nosso destino. E, nessa circunstância, poderemos realizar nossas escolhas, conscientes dos efeitos que elas produzirão em nossa existência. Seremos os Deuses anunciados pelo Cristo!
- ANGELIS, Joanna de, “Iluminação Interior”, obra psicografada por Divaldo Pereira Franco, Salvador, Livraria Espírita Alvorada, 2006, p. 122.
- ARENDT, Hannah, A Vida do Espírito, Rio de Janeiro, Editora Civilização brasileira, 2009, p. 321.
- CHARDIN, Teilhard, O Fenômeno Humano, São Paulo, Editora Cultrix, 1995, p. 203.
- TOLSTÓI, Liev, O Reino de Deus está em vós, Rio de Janeiro, Editora BestBolso, 2011, p. 99.
- ANGELIS, Joanna, O Despertar do Espírito, obra psicografada por Divaldo Pereira Franco, Salvador, Livraria Espírita Alvorada Editora, 2000, p. 76.
- FROMM, Erich, Análise do Homem, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1961, p. 146.
- ROHDEN, Huberto, O Sermão da Montanha, 17ª edição, São Paulo, Editora Martin Claret Ltda., p. 184.