Minha avó materna (a paterna já havia desencarnado quando nasci) era uma dessas figuras raras: discreta, sábia, prudente, calada (ouvia muito e falava pouco), mas com provérbios na ponta da língua. Cada uma dessas frases, mais tarde percebi, facultava uma lição de vida.
A mãe da minha mãe também tinha a qualidade da tolerância e a capacidade de não criticar, ensinando pelo seu comportamento digno, equilibrado e sóbrio. Que saudade da minha avó, para quem, na idade infantil, lia praticamente todas as lições dos livros escolares do ensino fundamental, tão lúdicas e educativas.
Ainda consigo lembrar da minha irmã referindo-se, bem-humorada, aos adágios dos quais nossa avó fazia uso corriqueiramente: Lá vem vó com os ditados dela. Óbvio que, ainda meninas, não alcançávamos a dimensão da sabedoria então escondida aos nossos ouvidos neófitos e prepotentes…
Quando a maturidade felizmente chega, abre-se um leque indimensional de compreensão em relação às várias nuances da vida.
Uma das frases que a vovó dizia é a que dá nome a este artigo: Quem bem fizer, para si é.
Tal assertiva dá a exata noção de que todos os gestos, palavras e comportamentos direcionados ao bem, antes de serem benéficos para o destinatário, o são para quem os pratica, assim como palavras e atitudes ruins são deletérios para os que assim se expressam e agem, dentro da irrevogável lei de causa e efeito.
Entendo que essa verdade do apotegma acima foi reforçada por uma experiência científica noticiada pela Revista Isto É em fevereiro de 20071. Tal experiência teve a participação de dois cientistas brasileiros, segundo a reportagem de Celina Côrtes, cujo título foi Mentes sem segredos, a qual descreve o que se passou com a atividade cerebral diante da prática de atos de bondade.
Em linhas rápidas, foi noticiado o seguinte: o neuropsiquiatra Ricardo Oliveira Souza e o neurocientista Jorge Moll Neto realizaram o trabalho nos Estados Unidos, cujo financiamento coube ao Instituto Nacional de Desordens Neurológicas e Doenças Vasculares. Os dois pesquisadores trabalharam com dezenove voluntários, e cada um deles recebeu a quantia de cento e vinte e oito dólares, podendo dispor dela como desejasse, seja doando cinco dólares a cada uma das entidades filantrópicas cujos nomes apareciam diante dos olhos deles, seja ficando com o restante ou com todo o dinheiro caso não usassem uma parte ou toda a quantia.
A experiência também mostrava entidades que defendiam o uso de armas e, nesse caso, os voluntários poderiam pagar os mesmos cinco dólares para que elas não recebessem nada. Enquanto faziam as escolhas, eles estavam submetidos à ressonância magnética.
Pois bem, aponta ainda a mencionada reportagem que a atividade cerebral evidenciada nos exames daqueles que optavam por não doar e ficar com o dinheiro demonstrava uma grande atividade nos circuitos do prazer, enquanto não somente essa zona do prazer como também a denominada zona da empatia foi ativada quando a pessoa decidiu doar a uma entidade beneficente.
Para nós, fica a lição de que, quando Jesus afirmou, no eterno poema das Bem-aventuranças, que os misericordiosos serão bem-aventurados, antecipou em dois milênios o que hoje uma parte da Humanidade já tem como certeza: o bem gera o bem ao redor e no próprio emissor.
Conforme pondera o Espírito Amélia Rodrigues, pela psicografia de Divaldo Franco, a misericórdia é luz que distribuímos no caminho que nós mesmos percorreremos.
Misericórdia é um vocábulo que, segundo exegetas, deriva de duas palavras latinas: miseratio (compaixão), e cordis (coração); portanto, literalmente, a palavra significa coração compadecido.
Na questão 13 de O Livro dos Espíritos, temos a explicação dos atributos de Deus2: Ele é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom. Jesus já tinha corrigido a concepção antropomórfica que se tinha de Deus, ensinando-nos o quão amoroso e misericordioso Ele é.
No entanto, há de se ter em mente que3 a misericórdia de Deus sem dúvida é infinita, mas não é cega, e o culpado que ela perdoou não está dispensado de satisfazer a justiça, passando pelas consequências de suas faltas. Assim, não podemos fugir indefinidamente da responsabilidade espiritual do arrependimento, da expiação e da reparação, a fim de alcançarmos a sublimação.
Referências
- CÔRTES, Celina. Revista Isto É. Mentes sem segredos, fev. de 2007. Disponível em: https://istoe.com.br/1406_MENTE+SEM+SEGREDOS/. Acesso em: 15 abr. 2024. ↩︎
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1987. pt. 1, cap. 1, q. 13. ↩︎
- _______. O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo. São Paulo: Paideia, 2020. pt. 1, cap. VII, item Código penal da vida futura, 29º. ↩︎
Nota
Este artigo foi originalmente publicado no site Mundo Espírita. Para acessar o conteúdo original, clique aqui.