Cumpre comumente refletirmos sobre a verdadeira autoridade, a que vem investida da real liderança. A verdadeira liderança, conforme senso comum, expressa-se no exercício do respeito e da empatia, nas ações de acolhimento e abnegação que o verdadeiro líder manifesta e onde entendemos refletida como modelo máximo na autoridade de Jesus.
Exercer na Terra funções de mando é mais uma prova da potencialidade da alma do que mera realização pessoal. Uma prova no sentido de revisar reajustes no campo das leis morais ligados ao nosso passado espiritual.
Ao mesmo tempo em que os profissionais que se investem dessa temporária função, que é dirigir ou administrar saberes, coletividades ou determinado múnus público, associa-se a ela duas responsabilidades: primeiro, o desafio do autoconhecimento, onde os testes do desdobrar da personalidade vem à tona nas diversas situações enfrentadas; segundo, os ideais que moveram ou que devem mover o exercício dessa autoridade e necessitam ser diuturnamente colocados em ação. Tal significa que não pode haver brecha para escolhas onde o personalismo, a imposição da vontade muitas vezes sem consideração da opinião dos demais, se manifeste; ou onde a atuação com utilização do cargo traduza manipulação ou controle de setores ou grupos em detrimento dos valores do bem comum e da fraternidade, que a rigor, nos fornece meios de sobra para que o sentido de humanidade compartilhada seja respeitado com vistas à imperiosa manutenção da paz e da harmonia geral, inclusive com o incentivo das habilidades alheias.
No que diz respeito a nós magistrados, afirmamos que antes de tudo somos servidores públicos. Sendo assim, a missão é de servir, levando em conta sempre os valores indefectíveis do bem e da paz. Compor interesses divergentes onde o ego de um e de outro se debatem dentro de visões por vezes distantes do equilíbrio e da razoabilidade, é um grande desafio. Quase sempre, nas audiências públicas, necessitamos amparar com tranquilidade, criando um campo comum onde os sentidos das partes se harmonizem, a fim de que o processo de conciliação se concretize, o que é uma alegria quando tal ocorre.
Dentro da responsabilidade que nos compete na promoção da paz e da justiça, contudo, não é somente durante a realização das audiências que essa necessidade é assinalada. No dia a dia da atuação na Vara, com os servidores, advogados, mas também fora da instituição, na vida comum ou mesmo dentro do templo religioso do qual fazemos parte e ainda entre os próprios colegas de profissão.
Nesse caminho, o prazer de servir como extensão das ações do bem e da paz no mundo absorvem-nos em todas as circunstâncias, onde a finalidade maior é podermos ampliar o respeito e a fraternidade na convivência, humanizando a sociedade, permitindo que as pessoas, por sua vez, se expressem e tragam a sua contribuição para a harmonia do conjunto. Isso não descarta o fato de que muitas vezes necessitamos coibir o desrespeito e o abuso de direito, seja dentro ou fora do processo judicial.
Cada vez que honramos nossos compromissos e deveres éticos, colocando esses ideais acima dos confrontos do ego e deixando-nos iluminar por dentro, vamos amplificando o alcance das ações em torno da melhoria de nós mesmos e da sociedade.
Por fim, no que diz respeito ao campo de relação, necessitamos quebrar o paradigma de que o exercício da autoridade na Terra é privilégio de honrarias e facilidades. O teste dos cargos não é só uma aferição de desprendimento e humildade mas também de maior responsabilidade no bom funcionamento da organização social. Necessitamos instruir, incentivar e vivenciar práticas que transformem os alvitres da competição social e do personalismo nas ações de colaboração e de fraternidade, onde cada ser humano, cada profissional, trabalhador e gestor, aluno e professor, caminhem realizando as funções que lhes cabem com respeito ao bom funcionamento de toda engrenagem do conjunto social, numa ampla compreensão do sentido ético da colaboração, do respeito e da humanidade compartilhada para realização do bem estar coletivo.
Nesse sentido recordamos a profunda e excelente advertência de Jesus, que conforme nos assevera Ermance Dufaux, “constitui o melhor e o mais feliz projeto para aproveitamento seguro e libertador nas provas do mando: “(…) antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve”(Lc 22:26)”1.
Referências
- Laços de Afeto – Ermance Dufaux / Wanderley Oliveira ↩︎