João Batista e a preparação íntima para a chegada de Jesus

Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor;
endireitai as suas veredas.
Todo o vale se encherá, e se abaixará todo o monte e outeiro;
e o que é tortuoso se endireitará, e os caminhos escabrosos se aplainarão.
1

Todos nós conhecemos João Batista como o precursor de Jesus Cristo, aquele que veio anunciar a Sua vinda. Esse personagem do Evangelho tem enorme importância no contexto histórico da vinda de Jesus.

Em um período em que a comunicação era mais oral que escrita e os meios de divulgação das ideias eram bastante precários, era necessário, e quase imperioso, que houvesse um efetivo anúncio de Sua chegada e importância.

João vestia seu corpo magro com pele de camelo, dos ombros até os joelhos e trazia um cinto de couro. A cabeleira era negra e os olhos profundos, de um fulgor misterioso[…] 2

A voz de João era forte, vibrante, dura mesmo; as suas palavras, breves e incisivas; os seus gestos, parcos e rápidos; toda a sua atitude incutia terror e confiança ao mesmo tempo. 3

Duas eram suas grandes verdades proclamadas: a necessidade da conversão sincera preparando os caminhos do Senhor e a chegada do Messias. João afirmava que Aquele que viria depois dele era mais poderoso a tal ponto que não se sentia digno de desatar-lhe a correia das Suas sandálias, conforme descreve o Evangelista Mateus. 4

João Batista, como precursor, tinha uma pregação muito clara no sentido de uma reforma interior para que os homens estivessem preparados para encontrar Jesus. Ele sabia da grandeza do Mestre e, por isso, entendia ser necessária uma mudança de rumos, uma real transformação para que fosse possível conhecê-lO e entendê-lO.

A proposta de João Batista era clara:

Arrependei-vos [reformai vosso pensamento], porque é chegado o reino dos céus. […] E eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados. […] Produzi pois frutos dignos de arrependimento.5

Torres Pastorino esclarece que o termo vulgarmente traduzido por “arrependimento” tem o sentido preciso de “reforma mental”. Não é, pois, um arrependimento no sentido de “chorar o mal que praticou”, mas sim a modificação radical dos pensamentos, da mente e do comportamento: a reforma mental.6

Faz-se necessária a reforma do pensamento com o consequente arrependimento pelos atos equivocados e seus efetivos frutos. Sem isso, difícil o encontro com Jesus.

No Evangelho de Lucas, temos a pregação de João Batista sobre o caminho da reforma íntima: Como está escrito no livro das palavras do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor; endireitai suas veredas; todo o vale será aterrado e todo monte e outeiro será arrasado, os caminhos tortos far-se-ão direitos e os escabrosos, planos. 6

As palavras de Isaías referem o que se costumava fazer para preparar o caminho dos reis que iam visitar as cidades do seu reino: tornar mais retas as veredas, aterrar os vales, aplainar os montes e outeiros, tirar as pedras do caminho etc. Tudo isso pode ser interpretado moralmente, no sentido de preparar os homens para receber as verdades que Jesus viria pregar.7

A preparação para receber Jesus – um Rei diferente, como Ele mesmo esclareceu ao dizer não ser o Seu reino deste mundo 8 – tem que ser interior, feita dentro de cada pessoa que queira aceitá-lO em sua vida.

Tornar retas as veredas. No mergulho interior, na reforma mental necessária, devemos corrigir erros e curvas desnecessárias em nosso íntimo. A estrada para acolher Jesus deve ser a mais reta possível, exigindo de nós uma honestidade íntima e sem subterfúgios, sem desculpas, sem falsas justificativas. Um caminho direto em busca do bem.

Aterrar vales. Quantos pântanos íntimos ainda temos! Quantas poças escorregadias ainda existem, feitas de equívocos e defeitos que vamos escondendo de nós mesmos e que dificultam nosso crescimento, pois costumamos nos atolar nesses pântanos ao repetirmos erros do passado que poderiam ter sido corrigidos. Então, precisamos encontrar esses erros e erradicá-los, aterrando definitivamente o vale.

Montanhas e colinas niveladas. Quantos excessos em nosso íntimo podemos melhorar, aplainar! Tolices, futilidades e supérfluos de que não mais necessitamos e que podem ser dispensadas para que, reduzidas, seja facilitado o caminho para a chegada de Jesus.

Corrigir as estradas tortuosas e os caminhos escabrosos. Tirar, com muito esforço, as pedras do caminho, o lixo ainda espalhado e que enfeia a estrada. Falsos problemas que tumultuam nossa mente, lixo mental, fruto do palavreado que podemos dispensar, dos pensamentos menos felizes que devemos evitar, das atitudes grosseiras que não nos cabem mais, da ansiedade exagerada por pouco ou quase nada e que tornam tão áspero o caminho.

Troquemos tudo isso por gentileza, por palavras doces e gestos de cuidado com todos, por preces e bons pensamentos, frutos de leituras felizes, ocupando a mente com positividade e pacificação interior na certeza de que Deus nos ama e que tudo acontece para o nosso crescimento. A estrada para receber Jesus ficará enfeitada e com beleza ímpar.

Para nós, espíritas, que temos Jesus como Guia e Modelo e a transformação moral como dever, as lições de João Batista são muito oportunas.

Vivemos, atualmente, como aprendemos com Allan Kardec, um período de transição planetária em que nosso planeta evolui para se tornar um mundo de regeneração, um mundo melhor, onde o amor deverá ser a regra. 9

As lições de João Batista são excelentes tanto como preparação para a Nova Era quanto para receber Jesus em nosso íntimo.

Procedamos à nossa reforma mental, indispensável para o ingresso feliz nos novos tempos do planeta. Veredas retas, vales aterrados, montanhas e montes aplainados, caminhos arrumados e com frutos efetivos da transformação para que possamos merecer viver em harmonia na Terra regenerada que se avizinha, com Jesus recebido em festa em nosso mundo interior.

Referências:

  1.  BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1966. cap. 3, vers. 4 e 5. ↩︎
  2. MARCON, Maria Helena. Personagens da Boa Nova. Curitiba: FEP, 2016. cap. O precursor. ↩︎
  3. ROHDEN, Huberto. Jesus Nazareno. São Paulo: Martin Claret, 2007. cap. O mergulho de Jesus. ↩︎
  4. BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1966. cap. 3, vers. 11. ↩︎
  5. Ibid., cap. 3, vers. 1, 2, 6 e 8. ↩︎
  6. BÍBLIA. N. T. Lucas. Op. cit., cap. 3, vers. 4 e 5. ↩︎
  7. PASTORINO, Carlos Torres. Sabedoria do Evangelho. v. 1. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967. Ministério do precursor. ↩︎
  8. BÍBLIA, N. T. João. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1966. cap. 18, vers. 36. ↩︎
  9. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, cap. III, item 19 ↩︎

Publicação original

O autor autorizou a republicação do artigo publicado originalmente no site Mundo Espirita, nesse link: https://www.mundoespirita.com.br/?materia=joao-batista-e-a-preparacao-intima-para-a-chegada-de-jesus

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Marcelo Anátocles Ferreira

Desembargador e Assessor Especial da Diretoria Doutrinária da ABRAME.