No livro Evolução Espiritual do Homem, José Herculano Pires explica como a concepção da palavra dogma foi alterada e o entendimento de Kardec sobre ela:1
A palavra grega dogma equivale apenas a opinião, mas as religiões lhe deram o sentido
de veredicto intocável. Kardec se refere ao dogma da reencarnação, mas não com o sentido
religioso, esclarecendo que não se trata de dogma de fé, mas de razão. Todos os princípios
da doutrina estão sujeitos à crítica e à reformulação, desde que uma prova científica,
prova comprovada, seja reconhecida como tal pelo consenso universal dos sábios.
Daí se conclui que a Doutrina Espírita não se deixa enredar pelos dogmas, sejam na concepção inicial de opinião, ainda que firme, sejam na concepção de dogma de fé. A Doutrina dos Espíritos é oriunda da racionalidade não somente de Kardec, que duvidou dos supostos fenômenos (depois comprovou serem oriundos de leis naturais) e, em vez de acreditar imediatamente nas manifestações verificadas nas mesas girantes, usou a dúvida como mecanismo para pesquisas rigorosas, cujos resultados demonstraram a existência não somente do mundo espiritual, como também da comunicabilidade entre os mundos e os Espíritos encarnados e desencarnados.
A Doutrina Espírita também não se ateve à doxa, vocábulo grego que significa mera opinião. Kardec não se ateve à mera opinião ao presenciar os movimentos da mesa: mergulhou na pesquisa, a fim de identificar os mecanismos que os regiam e quem estava no comando deles.
Também de origem grega, a palavra episteme significa conhecimento, e a filosofia tem uma robusta teoria sobre isso, que obviamente não será objeto de análise neste singelo artigo
Uma vez que se apoia no tripé ciência-filosofia-religião, a Doutrina Espírita nasceu da busca de conhecimento pertinente sobre os diversos aspectos da existência humana, seja no plano material, seja no plano espiritual, acessando respostas a perguntas que têm angustiado parte da Humanidade: de onde viemos, para onde iremos e o que estamos fazendo aqui. Com tais respostas, essa bendita Doutrina rechaçou, com autoridade, a concepção materialista que reduz o ser humano a um punhado de células que findará com a morte, sendo que alguns filósofos e psicólogos a isso recorrem para explicar a angústia humana, lembrando, porém, que para Kant não existe o nada, é um conceito vazio, conforme observa Herculano Pires.1
Que a Doutrina Espírita possui a sua Teoria do Conhecimento, não há dúvidas, e José Herculano Pires explicou muito bem na sua obra Introdução à Filosofia Espírita:2
Já vimos que o problema do conhecimento é básico em Filosofia. Pois se esta tem por objeto
a Sabedoria, o que vale dizer o nosso saber, aquilo que sabemos, é claro que o conhecimento e a
maneira pela qual o adquirimos é de importância fundamental em toda a indagação filosófica.
Por isso a Teoria do Conhecimento é uma das partes mais complexas e mais debatidas da Filosofia,
em todos os tempos. Na Filosofia Espírita ela assume uma importância ainda mais profunda, pois
a pergunta Como conhecemos? implica a relação Espírito-corpo. E essa relação exige a definição
dos seus componentes, envolvendo as perguntas O que é Espírito? e O que é corpo?
Ocorre que o conhecimento espírita jorra das Obras Básicas, clássicas e subsidiárias. A riqueza e a profundidade contidas nelas levam quem deseja, de fato, adquirir esclarecimentos preciosos sobre a existência e a paraexistência, no dizer de Herculano Pires, no livro Concepção Existencial de Deus, ao se referir a existentes (o homem no mundo), paraexistentes (o ser desprovido de corpo material) e interexistentes:3
Entre o existente e o paraexistente multiplicam-se os interexistentes, médiuns de aguda
sensibilidade que vivem praticamente num intermúndio (como os deuses gregos antigos)
relacionando-se ao mesmo tempo com os homens e os Espíritos e servindo de
intermediários entre eles.
Necessário enfatizar, portanto, que todo esse conhecimento deve ser concretizado e que já se deveria estar na era da concretização, eis que um banquete foi oferecido, não se podendo, por omissão, negligência etc., enterrar o talento precioso da Doutrina Espírita. Tal atitude importa não somente em sabotar a nossa evolução como também a daqueles que precisam desses conhecimentos para implementar a caminhada evolutiva mais rapidamente. Afinal, se devemos amar o próximo como a nós mesmos, indispensável que compartilhemos o aprendizado que potencialmente nos guia para a luz.
Referências:
- PIRES, Herculano. Evolução Espiritual do Homem. São Paulo: Paideia, 2005. cap. Pureza e impureza, na concepção espiritual. ↩︎
- _________________. Introdução à Filosofia Espírita. São Paulo: Paideia, 1983. cap. 3. ↩︎
- _________________. Concepção Existencial de Deus. São Paulo: Paideia, 2003. cap. A paraexistência. ↩︎
Publicado originalmente no site Mundo Espírita, em novembro de 2024, neste link.