A Polêmica Questão da Redução da Idade da Maioridade Penal

Direito individual. Cláusula pétrea. Impossibilidade de alteração. Questão que não se resume unicamente ao aspecto punitivo, mas essencialmente educativo. Medidas previstas no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente suficientes para responder com justiça à prática de atos infracionais praticados por adolescentes. Inimputabilidade penal que não significa irresponsabilidade ou impunidade. Responsabilidade que começa aos 12 anos de idade. Engodo de atribuir aos adolescentes a prática da maioria dos crimes violentos no país, quando esse percentual é de 3%. Ideia equivocada de que o falido sistema prisional brasileiro, constituído por “masmorras” sem proposta de ressocialização, seja o local adequado para a correção de rumos do infrator. Medida que ataca apenas os efeitos, não as causas. O complexo problema da violência. Opções da sociedade. Necessidade de ampla discussão para que a decisão sobre o tema não se faça no calor da emoção ou por bandeira política. Reflexão para os espíritas.

Há pelo menos 25 anos discute-se se essa é mesmo a alternativa para a redução da violência e da criminalidade, único argumento efetivamente válido para a redução da idade penal.

Não há consenso entre as diversas correntes que tratam do tema.

Atualmente, a maioridade penal no Brasil ocorre aos 18 anos, segundo o artigo 228 da Constituição Federal de 1988, que se reflete no artigo 27 do Código Penal e no artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90).

Os atos infracionais assemelhados a crimes ou contravenções penais, praticados por adolescentes (aqueles que têm entre 12 e 18 anos incompletos) são passíveis de medidas socioeducativas, que vão desde a advertência até a internação, em unidades fechadas, por prazo não superior a 3 (três) anos.

É importante se diga que parte considerável de autores que tratam da matéria, considera que o art. 228 da Constituição Federal protege um direito individual e, por consequência, é uma cláusula pétrea, o que inviabiliza a sua revogação, ou mesmo mudança, ainda que através de Emenda Constitucional.

É possível, portanto, que o Supremo Tribunal Federal reconheça, se chamado a exercer o controle de constitucionalidade, a impossibilidade de alterar a idade escolhida pelo legislador constituinte originário, de 18 anos para a responsabilização penal, tal como já decidiu, anteriormente, quanto aos princípios da anualidade eleitoral, anterioridade tributária e direitos de nacionalidade, também abrangidos pela vedação.

Mesmo que isso não aconteça, cumpre se examine as propostas de alteração e seus propósitos.

Redução da Maioridade Penal para 16 anos

A proposta mais revisitada é a da redução da imputabilidade penal para 16 anos, em se tratando de ato infracional equiparado a crimes hediondos, ou para reincidentes. Conquanto já rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, recentemente, a PEC 33/2012, de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que tramita em conjunto com outras cinco propostas (PECs 20/1999, 90/2003, 74/2011/ 83/2011 e 21/2013), continua em aberto, porquanto há recurso para que seja examinada em Plenário.

Nossa legislação já responsabiliza toda pessoa acima de 12 anos por atos ilegais. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o menor infrator deve merecer medidas socioeducativas, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. A medida é aplicada segundo a gravidade da infração e a capacidade de cumpri-la.

Nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência, consoante afirma o Frei Betto1. Consoante artigo publicado, que transcrevo abaixo em trechos, a Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima.

O índice de reincidência em nossas prisões é de 70%. Não existe, no Brasil, política penitenciária, nem sucesso do Estado na intenção de recuperar os detentos. Uma reforma prisional seria tão necessária e urgente quanto a reforma política. As delegacias funcionam como escola de ensino fundamental para o crime; as cadeias, como ensino médio; as penitenciárias, como universidades.

O ingresso precoce de adolescentes em nosso sistema carcerário só faria aumentar o número de delinquentes, pois tornaria muitos deles distantes de qualquer medida socioeducativa. Ficariam trancafiados como mortos-vivos, sujeitos à violência, inclusive sexual, das facções que reinam em nossas prisões.

Nosso sistema prisional já não comporta mais presos. No Brasil, eles são, hoje, mais de 500 mil, a quarta maior população carcerária do mundo. Perdemos apenas para os EUA (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil).

Há um interessante vídeo no YouTube, de responsabilidade de Alexandre Moraes, com o título “Por que reduzir a maioridade penal?” que tem cinco minutos de duração e vale a pena assistir, para se ter uma ideia de como o assunto é tratado, em vários países2.

Já no sistema socioeducativo, o índice de reincidência é de 20%, o que indica que 80% dos menores infratores conseguem mudar de vida.

Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, e não a causa. Ninguém nasce delinquente ou criminoso. Um jovem ingressa no crime devido à falta de escolaridade, de afeto e estrutura familiar, de exemplos de dignidade vindos dos pais ou autoridades, e por pressão consumista que o convence de que só terá seu valor reconhecido socialmente se portar determinados produtos de grife, ou frequentar determinadas rodas sociais.

Consoante o articulista, pode-se dizer que o infrator é, na maioria dos casos, resultado do descaso do Estado, que não garante a tantas crianças e adolescentes creches ou escolas públicas de qualidade; áreas de esporte, arte e lazer; e a seus pais, trabalho decente ou uma renda mínima para que possam subsistir com dignidade em caso de desemprego.

Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), o adolescente que opta pelo ensino médio, aliado ao curso técnico, ganha em média 12,5% a mais do que aquele que fez o ensino médio comum. No entanto, ainda são raros cursos técnicos no Brasil.

Hoje, os adolescentes entre 14 e 17 anos são responsáveis por consumir 6% das bebidas vendidas em todo o território nacional. A quem caberia fiscalizar? Por que se permite que atletas e artistas de renome, como Ronaldo, Zeca Pagodinho e tantos outros, façam propaganda de cerveja na TV e na internet?

Pesquisas indicam que o primeiro gole de bebidas alcoólicas ocorre entre os 11 e os 13 anos. E que, nos últimos anos, o número de mortes de jovens cresceu 15 vezes mais do que o observado em outras faixas etárias. De 15 a 19 anos, a mortalidade aumentou 21,4%.

A lei deveria ser mais rigorosa com aqueles que se servem de crianças e adolescentes na prática de crimes. E todavia eles, quando presos, costumam compor as facções criminosas que monitoram, por diversas vias, e até corrompendo agentes públicos, todo tipo de violência contra os cidadãos.

Um em cada 10 homicídios é cometido por adolescente

Estudo feito pela Organização das Nações Unidas revela que o Brasil é o 16º país mais violento do mundo, com uma taxa de 25,2 homicídios por 100 mil habitantes.

Entretanto, os adolescentes não são os principais responsáveis por esse cenário de violência. Em 2012, último ano cujos dados já se encontram todos disponíveis, os adolescentes foram responsáveis por 3% do total de crimes de homicídio registrados em todo o país.3

Nem se imagine que esse adolescente fique impune pela infração cometida. Se julgada procedente a representação, ele pode ficar internado por até 3 anos, depois pode ser transferido para semiliberdade por mais 3 anos e só ganha a liberdade se uma equipe técnica elaborar laudo dizendo que ele tem condições para isso, e contar com a concordância do Ministério Público e do Judiciário. Ainda assim, ficará em liberdade assistida.

E nem se pense que ele, se estiver prestes a completar 18 anos, ficará impune. Por infração cometida antes dos 18 anos, o adolescente pode receber medida socioeducativa até os 21 anos de idade (art. 2º, parágrafo único, do ECA).

Enquanto isso, o adulto que cometa um crime de homicídio, condenado à pena de 6 anos de reclusão, por exemplo, que é a pena quantitativamente mais aplicada, se não tiver antecedentes e contar com bom comportamento, inicia o cumprimento da pena em regime semiaberto e pode, em 1 (um) um ano, progredir para o regime aberto e obter a liberdade.

Qual, então, o sistema mais gravoso?

OPÇÕES DA SOCIEDADE

Como sustenta o Procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Netto, “a sociedade tem duas opções: resgatar o jovem ou entregá-lo definitivamente à criminalidade ao encarcerá-lo em penitenciárias. A adolescência é a fase de formação para nossos filhos, mas para os filhos dos outros, principalmente aqueles de famílias menos favorecidas, a infração torna-se questão de má índole”.4

Com efeito, a sociedade tem a tendência de considerar esses adolescentes como “irrecuperáveis” esquecendo que estão apenas no início da formação de sua personalidade, e incumbe ao Estado prover as condições mínimas necessárias para a reeducação dessa população que tem a vida inteira pela frente.

É conhecida a história de Roberto Carlos Ramos, que aos 11 anos já havia fugido mais de uma centena de vezes dos institutos de internação e era considerado irrecuperável, até que encontrou uma pedagoga francesa, que morava no Brasil e passou a apadrinhá-lo, retirando-o do abrigo e levando-o para morar com ela, dando-lhe educação e amor. Hoje, ele é pedagogo pós-graduado e considerado um dos maiores contadores de história do Brasil. Já esteve no programa do Jô Soares e frequentemente faz palestras, dizendo exatamente que o problema do menor é a falta de boa vontade do maior, ou seja, dos adultos. A história desse menino pode ser vista no filme “O contador de histórias” ou em vídeos do YouTube.

A FALÁCIA DE QUE A SOLUÇÃO É ENCAMINHAR O ADOLESCENTE PARA AS PENITENCIÁRIAS

O próprio Ministro da Justiça, que conhece profundamente o sistema prisional brasileiro, o descreveu como “masmorras”.

Era como se chamava no passado um tipo de prisão que normalmente se situava em pisos inferiores (cômodos escuros e lúgubres, ao abrigo do sol) de castelos e que tinha como função reter prisioneiros, muitas vezes por longos períodos, até a morte. Não tinha nenhuma ideia de regeneração ou prevenção. Era só castigo mesmo.

Pois bem. O que pretendem hoje aqueles que querem reduzir a idade da maioridade penal assemelha-se a isso. Encaminhar os infratores para essas masmorras, que têm números sabidamente muito piores de reincidência que os centros de socioeducação para adolescentes. E deixá-los lá pelo maior tempo possível, esquecidos de que um dia eles vão sair e poderá ser muito pior para a sociedade, porque o índice de reincidência vai ser avassalador.

A solução não pode ser assim tão simplista. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê uma série de políticas públicas que, se devidamente implementadas dentro das unidades de internação, reduzirão significativamente a reincidência. Se hoje a eficiência da internação não é a desejada, é porque o poder público não está dando a devida atenção: as unidades de internação estão superlotadas e falta tanto acompanhamento psicossocial, quanto o estabelecimento de política de trabalho e valorização da autoestima dos internos (dados do Conselho Nacional de Justiça, de 2012).

REDUZIR A MAIORIDADE PENAL VIROU BANDEIRA POLÍTICA

À míngua de outras medidas para combater a violência, a redução da maioridade penal virou bandeira de alguns políticos, que procuram influenciar a população no sentido de que isso vai diminuir a ocorrência dos crimes violentos.

Desde 1989, mais de trinta propostas de redução da maioridade penal tramitam ou tramitaram pelo Congresso Nacional. A última a ser rejeitada foi a PEC 33/2012, de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira, pela CCJ do Senado em 19 de fevereiro de 2014, sob o argumento de que é “falacioso enfrentar a criminalidade juvenil com a redução da maioridade penal, quando o Estado não é capaz de prover minimamente de creches e escola integral as crianças e adolescentes do pais”, como disse o Relator, Senador Eduardo Braga.

O Conselho Federal de Psicologia também opinara pela rejeição da PEC 33, sob substanciosos argumentos.5 A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) divulgou nota no ano de 2013 mostrando-se desfavorável a essa mudança, sob o argumento de que, em síntese, acredita “na capacidade de regeneração do adolescente quando favorecido em seus direitos básicos e pelas oportunidades de formação integral nos valores que dignificam o ser humano”.6

Na maioria das propostas de redução, a justificativa é a de que aos 16 anos o adolescente já pode votar e, portanto, já pode “responder por seus atos”. Além disso, os que defendem essas propostas, argumentam que hoje os jovens amadurecem mais cedo e que, em vista disso, têm discernimento do certo ou errado mais cedo.

É errado fazer paralelo entre as duas situações. O jovem de 16 anos tem a faculdade de votar, e não a obrigação. Além disso, não pode ser votado, ou seja, acredita-se que não tem maturidade para exercer cargo político. Até uma criança de 10 anos de idade pode ter consciência de que não está agindo corretamente, o que não significa que possa ser considerada imputável penalmente, porque ela pode até entender o caráter ilícito do fato, mas não tem força ou capacidade para se determinar de acordo com esse entendimento.

São seres que precisam de orientação, assistência e acompanhamento, para desenvolver o potencial necessário à sociabilidade e ao agir correto, dentro da comunidade. A criança ou adolescente, com personalidade em formação, ser ainda incompleto, tende a ser naturalmente antissocial, na medida em que não é socializado ou instruído. Essa é a linha de pensamento que levou o legislador a manter a inimputabilidade aos 18 anos, conforme consta na Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal.

Há respeitáveis entendimentos, ainda, de que até o nosso querido Chico Xavier defendia a redução da maioridade penal. Parece, todavia, que esse comentário está equivocado. Ao tratar do assunto, segundo Carlos Bacelli, no livro “Chico Xavier à sombra do abacateiro”, Chico teria dito aos companheiros o seguinte:

“Hoje ouvimos falar de muitos crimes efetuados por meninos de 10, 14 anos…Deveríamos tratar de códigos que dessem a maioridade aos 14 anos…A criança é chamada a memorizar as suas vidas passadas muito depressa, motivada pela televisão etc. Precisávamos da criação de leis que ajudem a criança a não se fazer delinquente nem viciada”.7

É claro que o nosso Chico, ao dizer que precisávamos de códigos que dessem a maioridade aos 14 anos, dava exemplo de que a lei não estava sendo suficiente para conter os arrastamentos. Falou isso de forma generalizada, preocupado mais com o futuro dessas crianças. O livro é do início dos anos 80, quando ainda vigia o antigo Código de Menores, que realmente não previa sequer obrigação do Poder Público de implementar políticas públicas de contenção desses jovens infratores.

Pois bem. Em 1990 veio à lume o Estatuto da Criança e do Adolescente que é uma lei inovadora. Em sua filosofia, protege o cidadão e também obriga o Estado a resgatar a atenção a todas as crianças e adolescentes, sobretudo aqueles que estão marginalizados ou em situação de risco, de acordo com modernas normativas internacionais.

Não se pode dizer que este Código não responsabiliza o infrator por seus atos. Como se disse, desde os 12 anos de idade ele pode ficar até três anos internado (eufemismo para o termo prisão, pois só quem conhece o interior de uma unidade de internação pode aquilatar do que se trata) e depois mais três anos em semiliberdade, ou seja, pode ter seis anos de restrição de liberdade, antes de passar para um período de liberdade assistida.

Assim, desde 1990, o Poder Público, se quiser, tem mecanismos muito mais eficientes e seguros de responsabilizar um adolescente infrator, com a vantagem de que ele tem – nas unidades de internação – propostas de escolaridade, profissionalização, atendimento psicopedagógico, atividades de esporte e lazer, separação por idade e compleição físicas e muito mais chance de recuperação e ressocialização do que a simples colocação desses adolescentes em penitenciárias, superlotadas e infectas, sem qualquer proposta de prevenção e cujo caráter é exclusivamente retributivo, ou seja, devolver ao infrator a dor e o sofrimento que ele causou a alguém, esquecido de que ele vai retornar ao convívio dessa sociedade algum dia, mais revoltado e despreparado do que quando entrou na prisão.

Além disso, para infrações menos graves ou para infratores leves, o ECA prevê:

  • a prestação de serviços comunitários;
  • a liberdade assistida, conjugada com programas de formação técnico-profissional;
  • orientação e apoio familiar;
  • matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
  • inclusão em programa comunitário ou oficial, de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
  • inclusão do adolescente (ou de seus pais, ou responsáveis) em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

Assim, a responsabilização penal de infratores já é adotada, desde 1990, e começa aos 12 anos de idade, com aplicação de medidas protetivas e socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Mais uma vez, todavia, o problema é desviado:

Ao invés de cobrar das autoridades a implementação dos vários programas e projetos – previstos em lei – que poderiam reduzir as causas das desigualdades sociais e do aumento do nível de violência, alguns políticos têm proposto – talvez até por absoluto desconhecimento do assunto, ou apenas por desencargo burocrático de consciência – a simples política do encarceramento, o quanto mais cedo possível, dos infratores. Hoje advogam a redução para 16 anos. Amanhã, para 14. Depois para 12 e assim por diante, crendo equivocadamente que a solução está em tomar medidas punitivas, ao invés de educativas.

A inimputabilidade penal não significa irresponsabilidade ou impunidade. As disposições do ECA são boas e suficientes para o propósito de responder com justiça à prática dos atos infracionais dos adolescentes. Resta-nos lutar para que as políticas ali previstas sejam efetivamente adotadas.

A FALTA DE ÊXITO NO COMBATE AO TRÁFICO DE DROGAS

Estatísticas afirmam que a gênese das infrações cometidas pelos adolescentes está associada ao uso de drogas ou entorpecentes.

Nesse sentido, o Estado está perdendo a batalha. Há poucos programas de efetivo combate ao uso de drogas, ou de tratamento para recuperação de viciados. É a falência da combalida política nacional de combate ao narcotráfico. Esse fato tem inegáveis reflexos no aumento da violência, por conta da disseminação do tráfico e de suas nefastas consequências, inclusive a dos furtos e roubos, para assegurar numerário para a manutenção do vício.

O perfil dos adolescentes atendidos em regime de internação, no estado do Paraná, por exemplo, sugere que o primeiro traço comum é a desigualdade social: 62% dos jovens internados por infração têm renda familiar abaixo de dois salários-mínimos e 92% não ultrapassara o ensino fundamental, o que evidencia atraso na idade escolar. 43% vinham de famílias monoparentais, ou seja, viviam só com o pai ou a mãe, revelando outra causa do transtorno de conduta: a desestrutura familiar. Por fim, as infrações mais cometidas eram associadas às drogas, como o tráfico e o roubo (em geral, para manter o vício), no total de 80% das internações.8

O PROBLEMA COMPLEXO DA VIOLÊNCIA

O problema da violência, para ser enfrentado, requer uma mudança de postura e de consciência de toda a sociedade. É necessário reconhecer que sob toda violência que existe atualmente, há um longo processo histórico de exclusão, marginalização e estigmatização – como defendem os professores Francisco Duarte e Débora Ferrazzo, da PUCPR e da UFSC.

Deveriam os representantes políticos, no sentir destes especialistas, ouvir razões e argumentos diversos, de todos os segmentos da sociedade, sem preconceitos e sem discriminação, e talvez pudesse o Congresso Nacional perceber que não se pode resolver o problema da violência apenas aumentando a criminalização e encarcerando as pessoas.

Vale lembrar que segundo estatísticas do IBGE existe no país um contingente de trinta milhões de pessoas vivendo ainda em situação de indigência, ou seja, abaixo da linha da pobreza. O que significa dizer, à margem de todos os benefícios garantidos aos demais membros da sociedade.

Assim, “persiste o erro histórico do Poder Legislativo: crer, ou simular crer, que a legislação resolverá um problema que é muito maior e mais profundo, inclusive e especialmente, que os aspectos debatidos no próprio processo legislativo”.9

A TERAPÊUTICA DIVINA

Na Revista Reformador, há um artigo intitulado “Jesus no cotidiano” em que Richard Simonetti conta interessante passagem. Falava com amigos espíritas, numa festinha de aniversário, sobre a conveniência de reduzir a menoridade penal para 14 anos.

A conversa ia cada vez mais animada, cada qual desfiando os seus argumentos em prol da responsabilização desses “marmanjos”, de seus pais, do Governo etc.

`Em dado momento, o irmão do dono da casa, ligado a uma igreja evangélica, pediu licença e falou, solene:

“- Pois eu vos digo que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos Céus.”

Mateus, 5:20

Perturbador silêncio instalou-se no recinto, ante a inusitada sentença. O dono da casa descontraiu, brincando:

– Chegou o profeta!

Embora rindo, demo-nos conta de algo de que ninguém cogitara em relação ao assunto: o parecer do Mestre dos mestres – Jesus.

O “profeta” comentou:

“- Desculpem o atrevimento, mas preocupa-me muito o fato de que, vivendo num país em que vasta maioria da população é ligada a um movimento religioso que tem Jesus por Mestre, não nos preocupemos em apelar para o Evangelho na solução dos problemas humanos.”

Como sabemos, a justiça dos escribas e fariseus, a que se refere Jesus no Sermão da Montanha, é a observância das leis ao pé da letra, sem nuances, sem avaliação mais profunda dos problemas humanos.

Em se tratando de menores infratores, de nada adiantará observar leis humanas, torná-las mais rigorosas, antecipar a maioridade. É preciso eliminar as origens do mal, na família carente e desajustada, na falta de orientação religiosa, de educação adequada. E isso não é problema para os governos apenas. É desafio para toda a população de classe média e abastada. Quando todos se envolverem com problemas dessa natureza, eles serão resolvidos`.10

Fica a reflexão, para nós espíritas: será que a nossa justiça, advogando a redução da maioridade penal, pura e simplesmente, será superior à dos escribas e fariseus?

Referências

  1. PRAGMATISMO POLÍTICO. Todos os países que reduziram maioridade penal não diminuíram violência. Pragmatismo Político, 2014. Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/04/todos-os-paises-que-reduziram-maioridade-penal-nao-diminuiram-violencia.html. Acesso em: 2 set. 2024. ↩︎
  2. Alexandre Moraes. Pra que reduzir a maioridade pena? (2). YouTube, 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Lle8mzAOkPE. Acesso em: 2 set. 2024. ↩︎
  3. Fonte: Secretaria de Recursos Humanos, reportagem do jornal ‘Gazeta do Povo’ de Curitiba, ed. 14-10-2014,p.4. ↩︎
  4. Idem ↩︎
  5. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/06/Parecer-PEC-33_FINAL.pdf ↩︎
  6. https://www.cnbb.org.br/imprensa/noticias/11999-nota-da-cnbb-sobre-a-reducao-da-maioridade-penal ↩︎
  7. Ed. Ideal, 2ª ed. 1987, p.40. ↩︎
  8. Reportagem do jornal “Gazeta do Povo” de Curitiba, em 13-10-2014, p.4 ↩︎
  9. “Violência e maioridade penal no Brasil”, artigo publicado no caderno Justiça & Direito, ed. 4-7-2014,p.10. ↩︎
  10. Reformador, FEB, Julho/2014, pp.15/16. ↩︎
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Noeval de Quadros

Presidente da ABRAME e Desembargador aposentado