Em matéria recente, o Jornal Opção publicou um estudo científico conduzido por Sérgio Vencio, ex-Secretário de Saúde de Goiás, que investigou a relação entre mediunidade e transtornos dissociativos, comparando a saúde mental de médiuns e não médiuns dentro ou fora do mesmo contexto religioso. A pesquisa utilizou o Dissociative Disorders Interview Schedule (DDIS), uma ferramenta que avalia sintomas dissociativos e psicopatológicos. Foram analisados 47 médiuns e 22 voluntários não médiuns, comparando seus resultados com dados históricos de pacientes com transtorno dissociativo.
A ortodoxia científica vai se dando conta que o mundo está cheio de depressivos dissociados, atormentados e doentes que a depender são tratados com três ou mais tipos de antidepressivos associados simultaneamente com ansiolíticos e indutores de sono, que são necessários, pois servem de “muleta” para ajudar o paciente a suportar os transtornos que, se de um lado são do campo físico psíquico, em grande parte são propriamente interferências da faculdade orgânica da mediunidade, que os exorcismos religiosos amenizam, sem solucionar, pois os espíritos interferem em nossos pensamentos e atos, a ponto de chegarem a nos dirigir em muitos atos da vida.
Anos atrás, sem graduação na área de psicologia, mas em vaga aberta para portadores de outros diplomas, tentei uma pós-graduação de doutorado pela PUC-GO e logo de início não encontrei nenhum professor que quisesse me acompanhar no pré-projeto sobre o CID F.44.3, descrito na própria classificação internacional de Doenças pela OMS como “possessão”.
Espírita desde os 17 anos, li a respeito uma vida inteira e nos últimos 20 anos intensifiquei a agenda de palestras em diversos Centros de Estudos Espíritas, por último em Goiânia, onde trabalho há 15 anos. Conforme Vencio observa, transtornos dissociativos são condições psicológicas caracterizadas por uma desconexão ou falta de continuidade entre pensamentos, memórias, consciência, identidade e percepção. Esses distúrbios podem surgir como mecanismos de defesa em resposta a traumas ou estresse intenso, permitindo que a mente se distancie de experiências dolorosas ou difíceis de processar.
Os principais tipos de transtornos dissociativos incluem a amnésia dissociativa, que se manifesta pela incapacidade de recordar informações autobiográficas importantes, geralmente relacionadas a eventos traumáticos ou estressantes, que não podem ser explicadas pelo esquecimento comum. O transtorno dissociativo de identidade (TDI), anteriormente conhecido como transtorno de personalidade múltipla, caracteriza-se pela presença de duas ou mais identidades ou estados de personalidade distintos que assumem o controle do comportamento da pessoa de forma recorrente. O transtorno de despersonalização/desrealização envolve experiências persistentes ou recorrentes de despersonalização (sensação de distanciamento de si mesmo) ou desrealização (sensação de irrealidade em relação ao ambiente).
O DDIS é uma entrevista estruturada desenvolvida para identificar e avaliar sintomas associados a transtornos dissociativos. Além de diagnosticar esses transtornos, o DDIS também investiga a presença de outras condições psiquiátricas comumente associadas, como transtornos de humor, transtornos de ansiedade e histórico de traumas. A aplicação dessa ferramenta permite uma compreensão abrangente do estado mental do indivíduo, facilitando diagnósticos precisos e orientações terapêuticas adequadas.
A pesquisa de Vencio buscou entender se a mediunidade — a capacidade de supostamente intermediar comunicação entre espíritos e vivos — está associada a sintomas dissociativos patológicos. Ao comparar médiuns e não médiuns dentro do mesmo contexto religioso, os resultados indicaram que, embora médiuns possam apresentar experiências dissociativas durante práticas mediúnicas, essas experiências não necessariamente configuram um transtorno dissociativo. Isso sugere que, no contexto adequado e com suporte apropriado, a mediunidade pode ser uma experiência controlada e não patológica.
Este estudo contribui para a compreensão da linha tênue entre experiências espirituais e sintomas dissociativos patológicos. Reconhecer as diferenças entre práticas culturais ou religiosas e transtornos mentais é crucial para evitar diagnósticos equivocados e para oferecer intervenções terapêuticas que respeitem as crenças e práticas individuais.
Nesse contexto, o CID-10, especificamente o código F44.3 – Estados de Transe e de Possessão, estabelece critérios para diferenciar os estados dissociativos patológicos daqueles que ocorrem em ambientes culturais ou religiosos reconhecidos. O F44.3 caracteriza um estado de transe em que há perda transitória da identidade, mas com manutenção da consciência do meio ambiente. No entanto, a classificação enfatiza que apenas os estados involuntários e não desejados devem ser considerados patológicos, excluindo aqueles que ocorrem dentro de práticas culturais ou religiosas aceitas.
Isso reforça a ideia de que a mediunidade, quando exercida dentro de um contexto cultural e religioso estruturado, não pode ser automaticamente classificada como um transtorno dissociativo. A distinção estabelecida pelo CID-10 evita a patologização de experiências espirituais legítimas, ao mesmo tempo que oferece um critério diagnóstico para casos em que o transe ocorre de maneira involuntária e prejudicial à funcionalidade do indivíduo.
Além disso, é relevante notar que o CID-10, no código F44.3, não menciona termos como “obsessão espiritual”, o que indica que não há um reconhecimento formal desse conceito dentro da classificação médica tradicional. Isso sugere que o fenômeno da obsessão espiritual, frequentemente descrito em tradições religiosas e espirituais, não possui uma equivalência direta na nosologia psiquiátrica, sendo tratado de maneira distinta no campo da espiritualidade e da doutrina espírita, por exemplo.
A interface entre mediunidade e transtornos dissociativos continua sendo um tema que exige investigações interdisciplinares, considerando tanto os aspectos psicológicos quanto as interpretações culturais e religiosas. O estudo de Vencio, ao lançar luz sobre essa relação, contribui para uma abordagem mais equilibrada e respeitosa entre ciência e espiritualidade, evitando reducionismos que possam prejudicar o entendimento de experiências complexas e multifacetadas.
Sob a ótica espírita, a classificação F44.3 do CID-10 poderia abranger fenômenos que Allan Kardec e outros estudiosos da doutrina classificam como obsessão espiritual. Para a visão espírita, muitos dos casos considerados transtornos dissociativos poderiam, na verdade, ser manifestações mediúnicas desequilibradas ou processos obsessivos, nos quais um espírito influencia negativamente o indivíduo. Segundo essa perspectiva, a obsessão não se trata de um mero distúrbio psicológico, mas sim de uma interferência espiritual que pode ser amenizada por meio de práticas como passes magnéticos, evangelização e reforma íntima.
O médico espírita Sérgio Filipe de Oliveira, referência em estudos sobre mediunidade e a glândula pineal, argumenta que muitos diagnósticos de transtornos dissociativos desconsideram a possibilidade da influência espiritual. Ele sugere que a glândula pineal atua como um receptor para essas interações espirituais e que fenômenos tidos como transtornos podem, em certos casos, ser manifestações mediúnicas descontroladas. Sérgio Filipe aponta que o critério do CID-10 que diferencia transes culturais dos patológicos é válido, mas incompleto, pois não considera que indivíduos fora desses contextos também podem estar passando por processos obsessivos espirituais. Para ele, a obsessão espiritual deveria ser investigada com seriedade pela ciência, buscando métodos diagnósticos mais abrangentes que contemplem a interação entre corpo, mente e espírito.