O Homem Hidrópico e as Lições de Sua Cura

Publicado originalmente no site Mundo Espírita, em setembro de 2024, neste link.


A cura do homem hidrópico é narrada por Lucas1:

Aconteceu, num sábado, que, entrando ele em casa de um dos principais dos fariseus para comer pão, eles o estavam observando.

E eis que estava ali diante dele um certo homem hidrópico.

E Jesus, tomando a palavra, falou aos doutores da lei e aos fariseus, dizendo: É lícito curar no sábado?

Eles, porém, calaram-se. E tomando-o, o curou e despediu.

E disse-lhes: Qual será de vós o que, caindo-lhe num poço, em dia de sábado, o jumento ou o boi, o não tire logo?

E nada lhe podiam replicar sobre isso.

Várias lições podemos retirar dessa passagem do Evangelho e, para uma melhor análise desse capítulo de Lucas, necessário algumas considerações biológicas sobre a hidropisia.

Rigorosamente, a hidropisia não é uma doença, mas sim um sintoma de algum problema no funcionamento de órgãos como rins, coração, fígado, por exemplo, ou mesmo de outra patologia. Ela se caracteriza por uma acumulação anormal de líquidos, que pode ocorrer em determinadas partes do corpo.

Pois bem. A seguir, singelas reflexões sobre o tema.

A primeira diz respeito à ida de Jesus à casa de um fariseu. Sabemos as várias vezes em que Jesus expôs a hipocrisia de alguns fariseus, os quais tentaram em vão levá-lo a contradições. Mas, nesse caso narrado em Lucas, pondera Carlos Torres Pastorino2, tudo leva a crer que o anfitrião era simpático ao Mestre:

O que convidou Jesus parece que era simpático ao Mestre, como veremos pela atenção e delicadeza com que O trata, e pelas lições de perfeição que recebe, num grau bem mais elevado que o da plebe. E o convite, mesmo depois de tantas acusações feitas a Jesus e de Suas invectivas contra os fariseus, demonstra que havia, pelo menos, admiração e desejo de aprender. Não obstante, o anfitrião não deixa de observá-lO.

A expressão comer pão era corrente em hebraico para significar uma refeição sem formalismo.

A segunda se refere à cura em um sábado. No Evangelho, há diversas passagens de cura aos sábados, bem assim de atividade, tal a narrada por Mateus3, em que os discípulos, tendo fome, começaram a colher e comer espigas. Os fariseus então tentam confrontar Jesus, afirmando que faziam o que não era lícito em um sábado, ao que o Mestre respondeu:

Não tendes lido o que fez Davi, quando teve fome, ele e os que com ele estavam?

Como entrou na casa de Deus, e comeu os pães da proposição, que não lhe era lícito comer, nem aos que com ele estavam, mas só os sacerdotes?

Ou não tendes lido na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa?

Pois eu vos digo que está aqui quem é maior do que o templo.

Podemos entender que Jesus nos ensinou e exemplificou a transcendente lição de que todos os dias são dias de fazer o bem, de minimizar a dor do outro, de exercer a fraternidade, porque o bem não pode se omitir nem descansar, sob pena de o mal e a dor se propagarem.

A terceira se refere ao sentido espiritual da cura do hidrópico, uma vez já visto o significado físico desse sintoma no início deste artigo.

Aqui, mais uma vez, as palavras de Pastorino4 são esclarecedoras e nos auxiliam a melhor refletir e saborear os ensinamentos desse episódio:

Ao entrar em casa dos fariseus, Jesus vê diante de si […] um hidrópico. Dizem os hermeneutas que no Oriente há mais liberdade de alguém penetrar na casa de estranhos, do que um ocidental permitiria, e por isso o hidrópico deve ter entrado ao ver Jesus para lá dirigir-se.

Mas quem nos diz que o hidrópico era um mendigo? Podia até ser um dos convidados. Nem só os mendigos adoecem de hidropisia. Ou podia ser um dos agregados ou empregados. O texto diz que Jesus viu diante de si, dando a entender que o enfermo já estava na casa. E o verbo apolyô não significa rigorosamente, nem apenas, despedir (dando ideia de que se manda embora uma pessoa), mas também libertar.

São muitos os inchaços que carregamos e que dificultam a sadia circulação do amor, porque inibido o fluxo por vários sentimentos deletérios. Interessante que quando Jesus indaga: Se algum de vós tem um jumento ou um boi que caiu num poço, não o tira logo, mesmo em dia de sábado?, confronta-os exatamente pela avareza, desnudando o fato de que muitos fariseus eram fiéis à Lei somente quando lhes era conveniente.

Precisamos refletir sobre onde estão os inchaços decorrentes da retenção de líquidos em nosso Espírito, que, simbolicamente, representam os sentimentos que retardam a nossa caminhada evolutiva. Identificar e depois removê-los, para que possamos ser as mãos de Jesus, o Evangelho Vivo, é tarefa contínua.

Referências:

  1. BÍBLIA, N. T. Lucas. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1966. cap. 14, vers. 1 a 6. ↩︎
  2. PASTORINO, Carlos Torres. Sabedoria do Evangelho. Brasília: Sabedoria,1967. v. 5, cap. Cura do hidrópico. ↩︎
  3. BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1966. cap. 12, vers. 1 a 8. ↩︎
  4. PASTORINO, Carlos Torres. op. cit., v. 5, cap. Cura do hidrópico.. ↩︎

Publicado originalmente no site Mundo Espírita, em setembro de 2024, neste link.

Photo of author

Telma Mª S. Machado

Diretora de Comunicação e Delegada da ABRAME/SE