Determinismo Subjetivo e Determinismo Objetivo

Um dos temas mais reportados no estudo da Doutrina Espírita é o livre-arbítrio. O capítulo X da Parte Terceira (Das Leis Morais) de O livro dos Espíritos tem um subtema dedicado exclusivamente a ele. E na questão 843, Kardec faz um questionamento cuja resposta é curta, porém muito esclarecedora:

843. Tem o homem o livre-arbítrio de seus atos?

Pois que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina.

No magnífico livro O Espírito e o Tempo, Herculano Pires, com a sua costumeira profundidade objetiva, aborda o tema, colocando assim o problema: “há um determinismo subjetivo, que é o da vontade do homem, e um determinismo objetivo, que é o das condições de sua própria existência”, e da “oposição constante dessas duas vontades, a do homem e a das coisas, resulta a liberdade-relativa da sua possibilidade de opção e ação” 1.

Tais determinismos, entretanto, não se incompatibilizam com o livre-arbítrio (relativo) de que fomos dotados por Deus, pois sem ele o ser humano não teria mérito pelo que de bom faz e nem responsabilidade pelos equívocos. A racionalidade humana está intrinsecamente relacionada à capacidade de escolher e às consequências de tais escolhas, ressalvando-se, do ponto de vista jurídico, as doenças que diminuam ou aniquilem essa dinâmica.

A liberdade, tão debatida pelos filósofos, segundo se constata na história da Filosofia, também é objeto de intensa análise da Doutrina Espírita. Trazendo a figura do poeta A Doutrina Espírita esclarece que a perfeição relativa e consequentemente a felicidade são o determinismo dos Espíritos, porque o progresso é Lei Divina. Compreensível, portanto, o arquétipo do “Conto de Fadas” que tanto fascina a humanidade, afinal, a perfeição (relativa), que redunda na felicidade, é o ponto de chegada de todos. (Praga, 1875-1926), Herculano pondera que Espiritismo disse, antes dele, que “Deus nos faz amadurecer, mesmo que não o queiramos”. Acrescenta que o homem é livre no pensar, querer e agir, mas sua liberdade é limitada pelas suas próprias condições de ser; o simples fato de existir é uma condição, mas dentro dessa condição o homem é livre para ser útil ou inútil, bom ou mau, segundo a sua própria determinação, existindo, por conseguinte, uma dialética do determinismo, que é, ao mesmo tempo, a dialética da liberdade 2.

Sobre liberdade, ainda há de se pontuar que, desvinculada da prudência e atingindo os extremos do paroxismo 3, pode levar à licenciosidade e à arrogância, conforme acuradamente apontaram os professores italianos Giovanni Reale e Dario Antiseri ao analisarem a concepção de liberdade pela corrente filosófica denominada Cinismo:

[…] os Cínicos insistiram sobre a liberdade, em todos os sentidos, até os extremos do paroxismo. Na “liberdade de palavra” (parrhesía), tocaram os limites da desfaçatez e da arrogância, até mesmo em relação aos poderosos. Lançaram-se à “liberdade de ação” (anáideia) até a licenciosidade. Com efeito, embora com essa anáideia Diógenes fundamentalmente tenha pretendido demonstrar a “não naturalidade” dos costumes gregos, nem sempre ele manteve a medida, caindo em excessos que bem explicam a carga de significado negativo com que o termo “cínico” passou à história e que ainda hoje mantém. 4

Os autores supra ainda se referem à concepção do filósofo neoplatônico Plotino (205 a 270 d.C.) de que a condição da alma é a liberdade, mas que essa se “obtém apenas na tensão para o Bem, ou seja, mediante a separação do corpóreo e a reunião com o Uno” 5. E explicam, outrossim, o entendimento de Santo Agostinho:

A liberdade é própria da vontade e não da razão, no sentido em que a entendiam os gregos. E assim se resolve o antigo paradoxo socrático de que é impossível conhecer o bem e fazer o mal. A razão pode conhecer o bem e a vontade pode rejeitá-lo, porque, embora pertencendo ao espírito humano, a vontade é uma faculdade diferente da razão, tendo uma autonomia própria em relação a razão, embora seja a ela ligada. A razão conhece e a vontade escolhe, podendo escolher até o irracional, ou seja, aquilo que não está em conformidade com a reta razão. 6

Por sua vez, com o filósofo estoico Epicteto (55 a 135 d.C.) aprendemos a lição de que a liberdade deve coincidir com a submissão à vontade de Deus. E ao compreendermos essa sábia colocação, certamente chegaremos à tríade liberdade/vontade de Deus/felicidade.

A Doutrina Espírita esclarece que a perfeição relativa e consequentemente a felicidade são o determinismo dos Espíritos, porque o progresso é Lei Divina. Compreensível, portanto, o arquétipo do “Conto de Fadas” que tanto fascina a humanidade, afinal, a perfeição (relativa), que redunda na felicidade, é o ponto de chegada de todos.


  1. Editora Edicel, 3ª Edição, p.94
  2. Editora Edicel, 3ª Edição, p.94
  3. No sentido figurado, paroxismo pode ser definido como “o ponto mais elevado de uma sensação; o mais alto grau de expressão de um sentimento” (In: https://www.dicio.com.br/paroxismo/).
  4. Reale e Antiseri, in: História da Filosofia, v. I, p. 254/255.
  5. Reale e Antiseri, in: História da Filosofia, v. I, p. 357.
  6. Reale e Antiseri, in: História da Filosofia, v. II, p.98.
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Telma Mª S. Machado

Diretora de Comunicação e Delegada da ABRAME (SE); Graduada em Ciências Biológicas e em Direito; Pós-Graduada em Direito Processual Público; Juíza Federal da Seção Judiciária de Sergipe; Mestre em Filosofia e Escritora.